No início, o podcaster e jornalista André Piunti, 39 anos, não deu muita importância aos comentários sobre o ‘tal de Mounjaro’. Achou que seria mais um Ozempic, remédio que se tornou símbolo da febre das canetas emagrecedoras e que já tinha usado. Até que, no fim do ano passado, a perda de peso de uma amiga chamou a atenção. Vindo de dois anos de tentativas de emagrecer sem muito sucesso, ele agendou uma consulta com uma clínica americana que atende por telemedicina e até envia o remédio para o Brasil.
André estava a caminho das férias nos Estados Unidos e preferiu receber lá mesmo. “Fiz a consulta e enviei meus exames. Eles mandaram a receita para a farmácia e, dois dias depois, recebi o remédio no local onde eu estava hospedado”, conta ele, que segue com o tratamento no Brasil. Do fim de dezembro para cá, perdeu 28 quilos – os 20 primeiros em dois meses. “Parece oba oba, mas é verdade. Não existe nada assim”, acrescenta.
Como ele, outros tantos brasileiros começaram a importar o medicamento que ainda não está disponível aqui. Desde que o Mounjaro – nome comercial da tirzepatida – foi aprovado no Brasil, em setembro do ano passado, profissionais e pacientes têm investido em diferentes estratégias em busca do remédio. O caminho para acessar o medicamento inclui desde a importação com assessorias especializadas, a consulta com clínicas no exterior e até mesmo a compra direta em viagens.
Nos consultórios, os últimos meses foram de alvoroço. Pacientes queriam saber como usar e, em alguns casos, já chegavam com o remédio, depois de viagens para os poucos países onde é possível adquirir sem receita. Nesse contexto, Dubai despontou como um destino atraente para esses pacientes, segundo o médico endocrinologista Caio Saraiva, que atende nas clínicas Elsimar Coutinho e Gabriel Almeida. Lá, uma caixa com quatro canetas sai por cerca de R$ 2,4 mil.
“Outra maneira é através de importadores. O problema é que aumenta o valor da medicação, que já não é barata, em quatro ou cinco vezes. Por isso, ela ficou conhecida como Ozempic dos ricos e se tornou famosa em Brasília, com muitos deputados usando”, explica. A lista de celebridades brasileiras que já usaram a tirzepatida inclui o apresentador Luiz Bacci e o ator Arthur Aguiar.
De fato, a alcunha pode ser explicada pelo fato de o remédio ainda não estar disponível aqui. Em empresas consultadas pela reportagem, o custo de importação pode chegar a R$ 10 mil por mês. Quando chegar ao Brasil, os preços máximos na Bahia devem variar entre R$ 1,9 mil e R$ 3,9 mil, dependendo da dosagem, de acordo com a determinação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed).
Assim, o menor preço da nova substância ainda deve custar mais do que a versão mais cara do Ozempic, cujo princípio ativo é a semaglutida. Atualmente, o concorrente é o mais caro disponível no mercado e fica em torno de R$ 1,2 mil.
Bariátrica
Registrada como terapia para controle do índice glicêmico de adultos com diabetes tipo 2, a tirzepatida ainda não tem previsão de ser vendida no país, segundo a farmacêutica Eli Lilly do Brasil, que desenvolveu o medicamento. Enquanto isso, a importação de medicamentos para uso individual é legal, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para isso, o importador deve apresentar os documentos que comprovem o uso próprio, tal qual o relatório médico e a prescrição (veja abaixo).
O frisson pelo medicamento tem a ver com a fama de ser uma ‘bariátrica sem cortes’. Os estudos de fase 3, divulgados no ano passado, indicaram um percentual médio de 26% de queda no peso. O procedimento cirúrgico, por sua vez, tem uma redução média de 25%.
“A gente já conseguia resultados muito bons com o Ozempic. Com o Mounjaro, é surreal. Como a obesidade atinge uma população muito grande hoje, gerou um interesse muito grande”, diz o endocrinologista Caio Saraiva.
O Mounjaro é agonista do GLP-1 e do GIP, que são liberados no intestino após a refeição – ou seja, é uma substância capaz de se ligar ao receptor celular e provocar uma resposta biológica. O GLP-1 é o peptídeo similar ao glucagon (hormônio que sai das células pancreáticas), enquanto o GIP é o polipeptídeo insulinotrópico glicose-dependente.
“Esses dois hormônios têm atividades no sistema nervoso central relacionados à fome e à saciedade e, portanto, têm a função de reduzir a fome. Interferem na sociedade e reduzem a velocidade de esvaziamento gástrico”, afirma o médico nutrólogo Durval Ribas Filho, fellow da Obesity Society e presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
A diferença está justamente no segundo hormônio, o GIP, que acelera o metabolismo e não é liberado na semaglutida. O outro diferencial é que cada aplicação semanal do Mounjaro usa todo o conteúdo da caneta, enquanto o Ozempic tem a mesma caneta para diferentes aplicações.
Ainda é cedo, contudo, para atribuir ao Mounjaro o fim da cirurgia bariátrica, na avaliação de Ribas Filho. Isso porque a obesidade mórbida também pode ter um componente genético forte. Nesses pacientes com aspecto genético mais presente, a resposta ao medicamento não é total.
“Mas, sem dúvida alguma, a tirzepatida é um medicamento que deve ocupar um espaço muito importante na redução do peso corporal dos pacientes, inclusive os com obesidade mórbida”, pondera.
A indicação é para pessoas com obesidade – ou seja, com Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 30 – ou que tenham sobrepeso e alguma doença metabólica, como diabetes ou hipertensão.
“Às vezes, vemos algumas pessoas usando sem tanta necessidade e não é esse o intuito. Tem gente que ganhou um pouquinho de peso no verão e quer usar, mas não deve. A gente até viu, com o Ozempic, que levou à falta de medicação nas farmácias”, acrescenta o endocrinologista Caio Saraiva.
O nutrólogo Durval Ribas Filho também reforça que o medicamento é individualizado. “O Mounjaro não pode ser usado por todos pelas contraindicações que eventualmente existam para pacientes que são obesos com comorbidades associadas. Tem que ser muito bem avaliado através de exames e de monitoramento médico”.
A corrida pela importação do Mounjaro, na avaliação dele, está associada a uma ansiedade dos pacientes para resolver a diabetes ou a obesidade. “Infelizmente, essa pílula mágica não existe”. Em março, a Eli Lilly chegou a divulgar um vídeo publicitário às vésperas do Oscar com o objetivo de desestimular o uso indevido do remédio.
“Algumas pessoas têm usado remédios que nunca foram feitos para elas. Para o vestido ou para smoking menor. Para uma grande noite. Por vaidade. Mas esse não é o ponto. Pessoas cuja saúde é afetada pela obesidade são a razão pela qual trabalhamos com esses medicamentos”, enfatiza uma narradora.
Telemedicina
No caso do jornalista André Piunti, o período da pandemia da covid-19 foi um marco. Além das restrições sanitárias da época, era um momento de excesso de trabalho. André, que sempre havia sido magro, engordou quase 30 quilos em um ano.
Antes do Mounjaro, foram dois anos de todo tipo de tentativa de emagrecer. Fez dieta, acompanhamento com médico, rotinas com psicólogo. Algumas iniciativas ajudaram, mas nada foi duradouro. “Acho que o que também ajudou foi que eu comecei uma mudança no estilo de vida. Comecei a tomar nas férias e eu não abria o computador. Com o Ozempic, eu abria o computador no meio da rua. Tinha uma ansiedade que eu deveria ter tratado junto”.
Ele fez a consulta e deu início ao tratamento na Viphomeclinic, clínica estadunidense especializada em atendimentos por teleconsultas. Na época, conheceu a empresa pelo relato de uma youtuber brasileira que mora na Flórida e ele próprio trouxe as canetas para o Brasil, depois de viajar para os Estados Unidos.
“O começo é muito forte, a pessoa emagrece muito rápido. Em duas semanas, na academia você perde um pouquinho. Em duas semanas com Mounjaro, ele dá uma enxugada. Sei que tem alguns médicos, inclusive o meu, que falam que tem que acompanhar porque mexe com a produção de insulina e eu entendo. De tempos em tempos, tenho feito exames”.
Além da Viphomeclinic, André faz acompanhamento com seu médico no Brasil. Depois de cinco meses de uso, já atingiu o peso que queria chegar. “A partir do mês que vem, vou fazer o desmame. Dá um certo medo de tirar e voltar aquela fome que tinha antes. Mas o lance da ansiedade ajudou muito. Sou uma pessoa mais calma e tranquila agora”.
Na Viphomeclinic, o programa de emagrecimento com a tirzerpatida inclui desde a teleconsulta até o frete para o Brasil. No caso de quem quer receber aqui, fica em torno de R$ 3 mil, a depender da cotação do dólar.
Preço
Na Bahia, a reportagem localizou ao menos três clínicas que fazem a importação do Mounjaro. Em cidades como São Paulo e Brasília, é ainda mais fácil encontrar opções do tratamento. Para a publicitária Manuela (que pediu para não divulgar o sobrenome), 35, o melhor da tirzepatida foi não ter os efeitos colaterais que sentia quando tentou o Ozempic.
Ela fez o tratamento por dois meses, entre fevereiro e março. Começou com uma clínica americana e deu continuidade em uma clínica de São Paulo. Ao todo, nos dois primeiros meses, calcula ter gasto cerca de R$ 6 mil.
“Primeiro, tentei o Ozempic e odiei. Tomei a primeira semana, com a primeira aplicação e passei muito mal”, conta ela, que queria perder o peso que ganhou durante a gravidez do filho, hoje com dois anos.
Na gestação, viu seu peso aumentar 18 quilos e teve um quadro de diabetes gestacional. Ainda hoje, Manuela é considerada ‘pré-diabética’. Foi assim que, apenas com o Mounjaro, em dois meses, perdeu 12 quilos – e conseguiu não perder muita massa muscular.
“Fiz acompanhamento nutricional o tempo todo, até porque gosto de treinar. Tem gente que fica sem comer, mas eu não queria isso. Nunca fui uma pessoa super magra, mas nunca lutei contra a obesidade”.
Desde o começo de abril, porém, seguiu apenas com acompanhamento médico e o plano alimentar feito por uma nutricionista. Manuela, que foi bailarina por muito tempo, faz Crossfit há oito anos. No entanto, o valor da importação da tirzepatida tornou o tratamento a longo prazo inviável.
Ela diz que o Mounjaro foi o indicado para o período após uma alteração hormonal na gravidez. “Eu tinha estimado seguir uns três meses com o Mounjaro, mas perdi mais rápido. Por isso, preferi não continuar e seguir com outras técnicas. A rapidez me impressionou. Você esquece de comer e não sente indisposição. Se eu não tivesse acompanhamento profissional para ganhar massa magra, provavelmente esqueceria”.
O preço do tratamento deve ser levado em conta antes do início, especialmente no caso de pacientes com obesidade. Isso porque, como ressalta o médico endocrinologista Caio Saraiva, alguns pacientes terão que usar a medicação durante toda a vida, como uma doença crônica.
Nesses casos, é difícil falar em desmame. “Se o paciente consegue mudar o estilo de vida, começa a fazer atividade física, é uma pessoa que é forte candidata a desmamar. Mas são aqueles que estão preparados. Se a pessoa não mudou o estilo, vem o efeito sanfona. Não é efeito rebote, é porque a pessoa voltou como era antes”.
Outra opção para alguns pacientes pode ser a troca de medicação, depois de um tempo. Mesmo quando o Mounjaro estiver disponível nas farmácias brasileiras, Saraiva considera que o valor do tratamento vai continuar sendo muito proibitivo.
“Mas, para a gente, foi muito bom ter uma empresa concorrente à Novo Nordisk, porque todas as outras canetas são da mesma empresa. Não tinha concorrência. Ainda acredito que aqui no Brasil vai chegar com um valor mais competitivo, porque o Ozempic nos Estados Unidos custa quase mil dólares. Aqui, é quase mil reais”, pondera. Além do Ozempic, as canetas Victoza e Saxenda, que são a liraglutida, pertencem ao laboratório dinamarquês Novo Nordisk.
Importação
Um dos possíveis caminhos para o Mounjaro é contratar uma assessoria para importação de medicamentos – ou seja, uma empresa que cuida dos trâmites para a importação. Na Medex Brasil, 12 processos de compra de tirzepatida já foram concluídos, segundo o gerente comercial da empresa, Elias Souza.
Além disso, as cotações para o medicamento têm crescido. “Sempre que um medicamento surge no exterior, começa a procura por ele aqui. No caso desse, especificamente, desde o segundo semestre do ano passado, as cotações têm se intensificado”, diz.
A logística para trazer o Mounjaro, contudo, é um tanto diferente de outros medicamentos porque ele precisa estar refrigerado durante todo o percurso. Essa exigência reflete no preço do frete, que custa, no mínimo, US$ 160. Assim, a caixa com quatro canetas – ou seja, o tratamento suficiente para um mês – fica em torno de R$ 10 mil. Se a pessoa quiser comprar mais caixas de uma vez, consegue diluir o valor do frete e baratear o preço final.
Uma vez que a encomenda chega ao país, passa pela fiscalização da Receita Federal e da Anvisa. Uma vez liberada, segue até o endereço do paciente. O processo inteiro dura entre 20 e 30 dias, dependendo de onde a pessoa more.
“Gente do Brasil inteiro tem entrado em contato. Alguns mencionam que é para controle de diabetes, mas a maior parte é buscando a perda de peso”, acrescenta Souza, que recebe pedidos por email, whatsapp e pelo site.
Trâmites
Em nota, a Eli Lilly do Brasil informou que não realiza e não participa de processos de importação de medicamentos por pessoas físicas ou importadoras. Além disso, a empresa ressalta a importância de que o tratamento com a substância seja prescrito e acompanhado por um profissional de saúde.
Antes da chegada do Mounjaro às farmácias brasileiras, a farmacêutica explica que é preciso finalizar passos como os trâmites de importação do produto e a definição do preço que será praticado aqui. O Cmed só indica o preço máximo, mas cada empresa pode estabelecer o seu valor.
“É importante contextualizar que o crescimento do mercado global de incretinas injetáveis é sem precedentes e, antes de lançar Mounjaro em algum novo país, a Lilly realiza uma avaliação de mercado para garantir o fornecimento adequado do medicamento”, dizem.
Sem a previsão de quando começa a ser vendido, ainda não há registro de importação “em volume comercial” do produto, segundo a Receita Federal. As únicas ocorrências são de importação para uso em pesquisas – e todas as operações foram no estado de São Paulo. Ainda de acordo com o Fisco, em caso de fiscalização da bagagem de um viajante que apresente medicamentos, o passageiro é encaminhado à análise da Anvisa.