O Vaticano revisou na sexta-feira (17), o processo de avaliação de supostas visões da Virgem Maria, estátuas que choram e outros fenômenos aparentemente sobrenaturais que marcaram a história da Igreja. A reformulação endurece posicionamentos e reconhecimentos, de maneira geral, do que é verdadeiro ou falso.
As novas normas deixam claro que tal abuso da fé pode ser punido canonicamente. “O uso de supostas experiências sobrenaturais ou elementos místicos reconhecidos como meio ou pretexto para exercer controle sobre as pessoas ou realizar abusos deve ser considerado de particular gravidade moral.”
O objetivo é evitar escândalos, manipulações e confusões, e o Vaticano reconheceu a própria culpa em confundir os fiéis com a forma como avaliou e autenticou supostas visões ao longo dos séculos.
Apesar dos novos critérios, as decisões passadas sobre eventos supostamente sobrenaturais – como em Fátima, Guadalupe ou Lourdes – permanecem válidas. “O que foi decidido no passado tem seu valor”, disse o cardeal argentino Víctor Manuel Fernández, chefe do escritório de doutrina do Vaticano.
“Às vezes uma possível reação divina se mistura (…) a pensamentos e fantasias humanas”, disse ele. A história da Igreja Católica está repleta de fenômenos estranhos ou inexplicáveis envolvendo estátuas religiosas ou objetos de todos os tipos.
A Igreja Católica tem uma longa e controversa história de fiéis que afirmam ter tido visões da Virgem Maria, de estátuas supostamente chorando lágrimas de sangue e cicatrizes surgindo nas mãos e pés, imitando as feridas de Cristo.
Quando confirmados como autênticos pelas autoridades da Igreja, esses sinais inexplicáveis levaram a um florescimento da fé, com novas vocações religiosas e conversões. Esse foi o caso das supostas aparições de Maria que transformaram Fátima, em Portugal, e Lourdes, na França, em destinos de peregrinação enormemente populares.
As normas permitem que um evento possa, em algum momento, ser declarado “sobrenatural,” e que o papa possa intervir no processo. Mas, “como regra”, a Igreja não vai mais autenticar eventos inexplicáveis ou tomar decisões definitivas sobre sua origem sobrenatural.
Até hoje, menos de 20 aparições foram aprovadas pelo Vaticano em 2 mil anos de história, de acordo com Michael O’Neill, que administra o recurso online The Miracle Hunter.
Como será o novo processo?
As novas normas reformulam o processo de avaliação da Igreja Católica, essencialmente retirando da mesa a possibilidade de as autoridades eclesiásticas declararem uma visão particular, cicatrizes ou outro evento aparentemente inspirado divinamente como sobrenatural.
Em vez disso, os novos critérios preveem seis resultados principais, sendo o mais favorável que a igreja emita um parecer doutrinal não comprometedor, um chamado “nihil obstat.” Tal declaração significa que não há nada sobre o evento que seja contrário à fé, e, portanto, os católicos podem expressar devoção a ele.
Enquanto no passado o bispo muitas vezes tinha a última palavra no reconhecimento ou não, a menos que fosse solicitada ajuda do Vaticano, agora todas as recomendações devem ser aprovadas. O bispo pode adotar abordagens mais cautelosas se houver sinais de alerta doutrinais sobre o evento relatado. O mais sério prevê uma declaração de que o evento não é sobrenatural ou que há bandeiras vermelhas suficientes para justificar uma declaração pública “de que a adesão a esse fenômeno não é permitida.”
O caso mais flagrante de confusão foi a alternância de determinações de autenticidade por uma sucessão de bispos ao longo de 70 anos em Amsterdã, na Holanda, sobre as supostas visões de Virgem Maria no santuário de Nossa Senhora de Todas as Nações.
As normas revisadas reconhecem o potencial real para tais abusos e alertam que impostores serão responsabilizados, inclusive com penalidades canônicas.