Zero desperdício: restaurantes usam criatividade para melhor uso dos alimentos

Zero desperdício: restaurantes usam criatividade para melhor uso dos alimentos

Redação Alô Alô Bahia

redacao@aloalobahia.com

José Mion

Reprodução/Governo Federal

Publicado em 29/09/2024 às 10:31 / Leia em 11 minutos

Com o objetivo de trazer reflexão e conscientização à população, neste domingo (29), é celebrado o Dia Internacional Contra o Desperdício de Alimentos. Criada em 2019, pelo Escritório Regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a data reforça a importância de manter recorrentes nas principais pautas as discussões acerca do Desperdício e da Fome.

Ações e programas governamentais, que buscam combater o desperdício desde a plantação até o alimento chegar ao consumidor, vêm utilizando até de recursos genéticos para desenvolver variedades de culturas mais resistentes, reduzindo perdas e melhorando a eficiência global da produção alimentar. Mas, de nada adianta o produto chegar ao consumidor se, no caminho, não houver seu melhor aproveitamento.

Neste contexto, a conscientização dos bares e restaurantes, por exemplo, torna-se fundamental. Muitas vezes, estes estão despreparados para administrar seus estoques, com perda de muitos insumos nas etapas de produção, simplesmente por não saberem seguir princípios, normas e recomendações técnicas básicas, que, além de evitar desperdício, evitam prejuízo também financeiro.

No Andina, o chef Gonzalo prepara os pratos do dia, que são apresentados pela esposa, Irene | Fotos: Redes Sociais

Algumas casas de Salvador, como o Andina Cozinha Latina, já nasceram com essa preocupação em mente. O restaurante, no bairro da Graça, tem o combate ao desperdício como um conceito. “Essa foi a ideia do Andina, de ter o Menu do Dia com poucas opções e fazer (os pratos) com o que temos, com base na disponibilidade de produtos, porque assim temos muito menos desperdício”, explica Irene Lapuente, que, ao lado do marido, o chef Gonzalo Rojas, comandam o espaço.

A simpática sócia passeia entre as mesas com o menu descrito em uma grande lousa. Lá, não existe o “tem, mas acabou”. As opções expostas são as que serão servidas no dia, com base, inclusive, no número de reservas, sempre um desafio em Salvador. “O mais ‘difícil’ das pessoas entenderem é que, às vezes, o restaurante fica mais cheio do que o planejado e chega no final da noite e alguns pratos acabam. Por isso, nos ajuda muito quando fazem a reserva, pois assim, sabemos quanto movimento vamos ter aproximadamente e fazemos a produção em função disso”, explica, mostrando que o combate ao desperdício passa também pela conscientização do cliente.

No Oriente Fast, a taxa de desperdício tem função mais simbólica do que punitiva | Foto: Redes Sociais

E muitas vezes, para o bem ou para o mal, essa conscientização passa pelo bolso, mesmo que de forma mais simbólica, como a “taxa de desperdício” que o Oriente Fast, na orla do Rio Vermelho, cobra. Por cada peça pedida e não consumida em seu farto rodízio de japonês e chinês, o restaurante avisa que há uma cobrança de R$ 2. A medida é muito mais um lembrete, explica o sócio Roberto Simon, do que uma ação punitiva. “Quando o cliente está ciente da taxa, ele mesmo fica atento para não pedir mais do que vai comer e, mesmo que seja pelo peso no bolso, a gente consegue alertar para esse combate ao desperdício”, explica o empresário.

O dinheiro pesa também nas decisões dos donos de estabelecimentos, como explica Acácio Sacerdote, no mercado de food service há 10 anos, à frente do grupo Food Qualy. “É muito importante destacarmos o impacto do desperdício de alimentos na saúde da população, que passa fome, e no impacto no meio ambiente, mas em um mercado competitivo, muitas vezes o empresário não consegue tirar a atenção do faturamento e é nesse ponto que temos uma oportunidade de evolução“, destaca o baiano, que é também nutricionista e chef de cozinha, e se especializou em negócios de alimentos. Segundo ele, às vezes é necessário apelar para o bolso para trazer consciência ao mercado.

Marco Caria, do Isola, usa criatividade e atenção aos processos contra o desperdício | Foto: Divulgação

Ele destaca que, quando o chef e empresário entende que a correta gestão dos processos não só diminui o desperdício, mas evita prejuízos e, consequentemente, aumenta o faturamento, decisões mais inteligentes passam a ser tomadas. É o caso do italiano Marco Caria, à frente do Isola Cucina Italiana, também na orla do Rio Vermelho, que diz estar “perto do desperdício zero”.

Natural da Sardenha, ele destaca que, além do bom aproveitamento dos insumos – apenas a casca do limão siciliano faz o sal temperado, o azeite de limão e o limoncello, por exemplo -, é importante a atenção durante o processo. “Para evitar perda de insumos, todos os preparos são feitos no momento do pedido do prato e exclusivamente para o prato pedido”, explica o chef, que sugere ainda fazer a feira várias vezes na semana. “Ajuda a programar o consumo e a reduzir o desperdício. Temos pouco estoque e ingredientes sempre frescos”, reforça Marco, cuja atitude é celebrada por Acácio.

“Esse controle de desperdícios na cadeia de alimentos se inicia no momento da compra. O ideal é priorizar a compra de fornecedores locais, pois cerca de 1/3 de todos alimentos produzidos no mundo é jogado no lixo, com grande perda já no transporte. Outra estratégia importante é planejar bem as compras de acordo com o volume de vendas do restaurante. Como muitos fornecedores fazem entregas diárias, isso evita perdas no armazenamento”, explica o consultor, ressaltando a importância da ficha técnica dos pratos, planejando corretamente as quantidades.

Uma das soluções personalizadas que ele traz coloca o controle do desperdício como meta, visando também o aumento do lucro. Nesse caso, o foco está também no treinamento “Desperdício Zero”, que capacita a equipe no que diz respeito a controle de custos, implantação de processos, planejamento de compras, controle de estoque e padronização do cardápio, sempre com foco em melhoria da gestão operacional e financeira.

Acácio Sacerdote acredita na boa gestão de processos para evitar desperdício | Foto: Divulgação

“Não existe uma fórmula milagrosa para se reduzir desperdícios em restaurantes, é uma combinação de estratégias que envolvem planejamento de cardápio, bom relacionamento com fornecedores, processos de controle implantados, equipe treinada e monitoramento constante. Essa soma de esforços é que faz a diferença, tornando o restaurante sustentável e lucrativo”, destaca Acácio.

Criatividade

Entre as estratégias está, sem dúvida, a criatividade de cada cozinheiro com sua equipe. No Andina, a pele da cebola é seca e vira tempero; as espinhas do peixe dão sabor a caldos; com os talos de coentro, é feito o leite de tigre do ceviche; as folhas de beterraba e cenoura viram saladinha de temperos; e os talos de salsa viram aquele bom chimichurri. “No lixo do Andina, tem basicamente garrafas e, quando sobra alguma coisinha dos pratos, quando o cliente não consegue finalizar, ele pede pra levar pra casa”, conta Irene.

Sucesso de vendas, polpetone do Pepo é produzido por Peu Mesquita com insumos que poderiam ser descartados | Fotos: Elder Almeida

No Pepo, o chef Peu Mesquita tem entre os pratos mais vendidos o polpetone, servido com pomodoro e spaghetti na manteiga de sálvia. “A gente tinha muita apara de filé, aquelas pontinhas que vão sobrando. Aí, a gente mói essa carne para fazer a base do polpetone e empanamos com farinha de pão, da sobra da casa também”, explica o chef-executivo do Grupo Soho, à frente ainda da D’Pepo Padoca Artesanal, de onde vem um volume bom de pão. “O pão, a gente usa para fazer a farinha de rosca, que empana a carne e recheamos com aparas de queijos que a gente vai cortando e faz o mix”, conta o chef sobre o prato que é sucesso e ótimo exemplo da utilização de insumos que seriam descartados.

Kafe e Dante Bassi apostam na criatividade no Manga | Fotos: Leo Freire

Falando em criatividade, o Manga, dos chefs Kafe e Dante Bassi, sempre surpreende, inclusive nas sobremesas da chef alemã. “Eu uso muito as aparas das frutas para fazer caldos ou xaropes. Uso todas as aparas de maçã, a parte no meio, com caroço e tudo, pra fazer uma calda que serve como base para um drinque também”, revela Kafe, que utiliza ainda as cascas da banana orgânica como base de bolo de banana, que era servido no café da manhã da casa e, agora, é servido entre os colaboradores. Como o menos é mais, ela destaca ainda o Brócolis na Brasa, um dos pratos do menu à la carte, que além do brócolis assado na churrasqueira, vem com uma salada com os talos do próprio vegetal fatiados bem finos, marinados com um pouco de sal e azeite de ervas. “Fica uma delícia!”, promete a chef.

Nara Amaral e Jota Moraes são criativos na finalização dos pratos | Fotos: Redes Sociais

Quando não usados no preparo em si, muitos “restos” de alimentos são utilizados na finalização e decoração dos pratos. No Casa de Farinha, no Santo Antônio Além do Carmo, o chef Jota Moraes aposta nas raízes de coentro, de cebolinha e de alho-poró para compor os pratos que chegam à mesa dos clientes. No Di Janela, no bairro da Saúde, a Top-Chef Nara Amaral, que aposta no coentro como tempero básico da sua comida, busca usar o ingrediente por completo. Por lá, vez ou outra, até o talo de coentro é empanado e frito para enfeitar os pratos, no lugar dos brotos.

Sem desperdício em casa

Visando a redução do desperdício, diminuição da produção de lixo orgânico e a economia de até 20% do orçamento mensal, o reaproveitamento de alimentos é importante também em casa, no dia a dia. “As sobrinhas de proteínas animais do almoço, como a carne, o peixe e o frango, podem virar recheios de omeletes, tortas salgadas, bolinhos caseiros proteicos”, lembra a nutricionista Raquel de Medeiros.

Ela destaca as frutas e hortaliças como parte do grupo alimentar em que é possível obter reaproveitamento integral de quase todos os alimentos, como os talos (salsa, brócolis, couve-flor, agrião, beterraba e espinafre), as sementes (abóbora, melão e jaca), as folhas (cenoura, beterraba, nabo, couve-flor e rabanete) e as cascas (batata, banana, laranja, abóbora, melancia e melão).

Aproveitamos e pedimos a ela duas receitas práticas e fáceis, o bolo de banana com casca e “leite” de sementes de melão amarelo. “O ‘leite’ de sementes de melão tem alto teor de minerais e proteínas vegetais, sendo um excelente substituto ao leite de vaca em preparações como sucos, vitaminas, shakes, molhos e bolos, sendo uma ótima opção para os intolerantes à lactose, vegetarianos e veganos”, destaca.

* Para o preparo do “leite” de sementes de melão amarelo:

– Lavar bem as sementes (de 1 melão) em água;
– Retirar o excesso de umidade com pano limpo e seco ou papel toalha (as sementes nesse estado podem ser armazenadas em geladeira por até 3 dias);
– Colocar as sementes no liquidificador com 250ml de água filtrada;
– Bater e coar;
– Armazenar o leite por até 5 dias em geladeira.

* Bolo de banana com casca (sem glúten e sem lactose):

– Ingredientes:
4 ovos
4 bananas maduras com casca
1 xícara (chá) de óleo de coco ou girassol
1 xícara (chá) de farinha de arroz integral
½ xícara (chá) de polvilho doce
½ xícara (chá) de fécula de batata
1 e ½ xícara (chá ) de açúcar demerara
1 colher (sopa) de fermento químico em pó

– Modo de Preparo:
Untar e enfarinhar uma assadeira retangular média. Bater no liquidificador as bananas com casca cortadas, os ovos e o óleo. Numa vasilha separada, misturar as farinhas, o açúcar e o fermento. Acrescentar o liquido já batido no liquidificador à mistura dos secos e mexer bem até ficar homogêneo. Assar por 30 minutos em forno pre aquecido a 180ºC. Quando estiver pronto, polvilhar canela em pó e açúcar (opcional).

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