‘O Púlpito’: Anna Virgínia Balloussier radiografa o Brasil evangélico em livro lançado em Salvador nesta quinta-feira

‘O Púlpito’: Anna Virgínia Balloussier radiografa o Brasil evangélico em livro lançado em Salvador nesta quinta-feira

Redação Alô Alô Bahia

redacao@aloalobahia.com

Antonio Dilson Neto

Reprodução/Redes sociais

Publicado em 26/09/2024 às 14:09 / Leia em 9 minutos

Quando você pensa em um evangélico, qual a primeira imagem lhe vem à cabeça? Um sujeito fanático, careta, conservador e que carrega uma Bíblia debaixo do braço enquanto prega aos gritos? Se sim, bom, o leitor não está sozinho. Embora o segmento tenha triplicado sua presença no país durante as últimas duas décadas, ocupando espaço expressivo na política e no poder do país, a caricatura permanece forte, ainda que não contemple as diversas nuances e complexidades do Povo de Deus.

A imagem que os evangélicos construíram nos últimos anos no Brasil é um dos temas de “O Púlpito – Fé, Poder e o Brasil dos Evangélicos”, livro escrito pela jornalista Anna Virginia Balloussier e que será lançado nesta quinta-feira (26), em Salvador.

O evento acontece às 19h na Livraria LDM do Shopping Bela Vista, e terá mediação da também jornalista e professora Malu Fontes.

Foto: Divulgação

Em entrevista exclusiva ao Alô Alô Bahia, Anna Virginia contou detalhes sobre a complexa radiografia do povo evangélico brasileiro e como se debruçou para estudar sobre a força política construída pelo grupo nos últimos anos.

O Processo

Antes de pensar em escrever o livro, a jornalista já escrevia – por iniciativa própria – sobre o universo evangélico no jornal Folha de S. Paulo. Ela define a pesquisa sobre o livro como uma “compra parcelada de dez vezes nas Casas Bahia”.

“Essa pesquisa é uma espécie de compra parcelada em 10 vezes sem juros desde 2010, quando comecei a escrever sobre evangélicos pra Folha por iniciativa minha. Fui acumulando essa pesquisa que não foi inicialmente pensada para ser um livro, mas é um trabalho que sobre o qual me debruço há quase uma década e meia, até o lançamento, em 2024”, conta.

Quando a editora Todavia fez o convite para uma publicação, Anna propôs reunir os anos de análise sobre o universo evangélico.

“Nem tínhamos entrado em 2018 ainda. O livro ficou um pouco em banho-maria por conta de duas gravidezes, uma pandemia e eleições conturbadas. E comecei de fato a escrever em 2022. Gosto de falar que são anos e anos para que alguma coisa aconteça da noite para o dia. E foi mais ou menos assim com a ascensão evangélica. Ela já estava sendo e se acelerando enquanto a gente prestava atenção em outra coisa”, observa

“Acho que escrevi esse livro para tentar colaborar com o debate e mostrar que é um segmento muito mais plural e complexo do que uma boa parte da opinião pública do Brasil percebe, e evitar essas generalizações”, completa.

A caminhada até o poder

Um dos temas olhados de perto por Anna em “O Púlpito” é a força e o peso que os evangélicos ganharam na democracia brasileira desde a Assembleia Constituinte de 1988, quando eram um grupo menor e com pouca expressão nas casas legislativas.

“Desde que teve a primeira bancada evangélica na Assembleia Nacional Constituinte, que foi justamente uma articulação evangélica para influenciar na formulação da Constituição de 1988, a força vem crescendo e eu acho que tem tudo para crescer mais, porque os evangélicos crescerão mais. Então, na medida em que a população evangélica ocupar um espaço maior na população geral, é natural que a bancada cresça também”.

A jornalista também ressalta que o movimento e o voto evangélico não podem ser olhados como uma coisa única e sem complexidades.

“Obviamente o que forma um voto não é apenas a identidade religiosa de uma pessoa. Você pode ser evangélico, mas pode ser que a identidade, o gênero ou a classe social falem mais forte na hora de definir um voto. E tem um fenômeno interessante que aconteceu em 2022: a projeção que a bancada fazia de crescimento não foi alcançada, porque teve uma concorrência interna entre nomes clássicos de igrejas com nomes bolsonaristas fortes que falavam com o público cristão, que eram conservadores, mas não necessariamente evangélicos. Então eles acabaram roubando o voto dos candidatos de igreja, os candidatos mais tradicionais defendidos por igreja, no caso esses grandes influenciadores bolsonaristas”, relembra Anna.

“O eleitor evangélico virou esse pote de ouro no final do arco-íris eleitoral”, analisa a autora. E, na tentativa de conquistar esse voto, os atores políticos se valem de diversas estratégicas para conversar e amealhar votos do segmento. Anna cita a cartilha publicada pelo Partido dos Trabalhadores, que orientava candidatos e a militância a dialogar (e como fazê-lo) com os evangélicos, vistos como engajados em eleger representações que sigam e atendam os valores da comunidade.

Por outro lado, Anna fala sobre o que pesquisadores da ciência política chamam de “efeito fariseu”.

“Esse efeito acontece quando o candidato exagera ao falar em nome de Deus sem ter essa origem religiosa e soa falso, como um fariseu. Então, o público evangélico tem uma capacidade muito forte de detectar essas pessoas que estão falando em nome de Deus sem de fato comungar dessa fé. Ao mesmo tempo, nós temos candidatos como Pablo Marçal que é cristão e agora é evangélico e lança frases como falar que uma concorrente dele o traiu por ’30 moedas de prata’. Quem conhece a Bíblia sabe que esse é o valor pelo qual Judas Iscariotes aceitou vender Jesus Cristo. Então ele usa várias dessas referências que os cristãos vão conhecer conhecer muito bem e isso acaba sendo um discurso cifrado e sedutor para o eleitorado evangélico”.

A aproximação deste segmento com posicionamento políticos mais radicalmente à direita também é material de observação da jornalista.

“Os evangélicos por muito tempo se sentiram desdenhados negligenciados e ridicularizados pela sociedade Isso foi criando uma espécie de ressentimento e também um medo um pouco difuso de que seus valores cristãos estivessem em perigo, com os avanços que vimos na sociedade, vindos de uma vertente mais progressista e à esquerda. E, também, uma ideia muito amparada também por fake news de que: ‘olha, essa esquerda não gosta da gente. Essa esquerda acha que a gente é burro, não tá tratando a gente bem’. E quem que dá de braços abertos para receber esse brasileiro evangélico desdenhado há tanto tempo por essa elite intelectual e também pelo campo progressista? Os candidatos mais radicalizados à direita. E aí, obviamente, se dialoga com uma pauta mais conservadora no campo dos costumes e também um lobby mais proativo por outras pautas importantes, como a isenção tributária para igrejas”.

Como exemplo, Anna cita a eleição para a prefeitura de São Paulo e a performance dos candidatos Ricardo Nunes e Pablo Marçal e reforça que não deve-se imaginar o eleitorado evangélico como um bloco uniforme.

“É difícil a gente falar dos evangélicos como um todo. Nacionalmente a gente viu uma aglutinação forte em torno do Bolsonaro. E em São Paulo é um caso muito curioso, porque o Pablo Marçal, à revelia da cúpula de pastores, das lideranças mais importantes, tem um apoio evangélico muito forte. Ele comprou briga com o Silas Malafaia que é do Rio [de Janeiro], mas tem essa influência regional forte. Os pastores regionais estão apoiando o Ricardo Nunes, o atual prefeito, e, mesmo assim, o Pablo Marçal tem uma resiliência forte com o segmento evangélico. Ele está empatado com o Nunes e, pelo menos nas últimas pesquisas, tem uma taxa de rejeição entre evangélicos que é quase metade da taxa de rejeição que ele tem na população geral”, analisa.

O olhar dos fiéis

O livro é dividido em temas polêmicos e em cada capítulo, Anna disseca as concepções e experiências do povo evangélico em pautas como aborto, sexo, poder e dízimo.

Sobre o processo de conversar com pessoas sobre temas tão sensíveis, a autora registra dois episódios marcantes.

“Talvez a entrevista que mais tenha me marcado é com a mulher evangélica que fez um aborto e tinha crise de consciência, mas, ao mesmo tempo, se manteve firme na decisão. Acho que ela não faria nada de diferente. Eu abro o capítulo do aborto falando sobre essa história que é pesada e, ao mesmo tempo, complexa. E também tem no capítulo em que eu falo sobre conversão, contando a história de um parente meu que virou traficante, teve cargo muito importante na alta hierarquia do tráfico carioca até que ele se converte e abandona essa vida”.

Ao contar os dois episódios, Anna evitou identificar os personagens – por segurança e para evitar possíveis constrangimentos ou revanches.

Próximos passos

Anna já tem mais um projeto de livro em vista. Embora ainda não possa aprofundar detalhes, já adiantou o tema escolhido: aborto. “Será sobre o aborto em suas várias formas: o aborto que uma mulher quis, o aborto que uma mulher não quis e também relatos pessoais. É uma espécie de ensaio, mais do que um livro de reportagem clássico”, revela.

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