Recentemente, cheguei com uma amiga de última hora a um restaurante da cidade, em pleno domingo, sem reserva. Sempre fiz isso, mas não tinha me atentado para o fato de que, aquele restaurante, recém-inaugurado, estava pela primeira vez participando da Salvador Restaurant Week (RW). Resultado: fila de espera gigante na porta e teste de paciência posto em prática.
Já que estávamos por ali, a decisão foi sentar, pedir um vinho e botar o papo em dia enquanto esperávamos uma mesa. Estávamos sem pressa e não faltou assunto. A fila, vale dizer, era para provar um menu em três etapas – entrada, prato principal e sobremesa – que pode chegar a R$ 109 a depender do dia ou turno.
Em grande parte dos casos, o menu da RW é até mais caro do que os Executivos tradicionalmente servidos nos mesmos restaurantes, sem as mesmas filas, o que prova a força comercial do festival que, na capital baiana, é comandado pela Licia Fabio Produções e, a cada edição, soma mais e mais restaurantes, superando 100 nomes há três temporadas.
Qual não foi minha surpresa ao receber algumas mensagens, recentemente, após publicação de uma matéria aqui no Alô Alô Bahia, que apresentava um pouco mais do Manga e do Origem, restaurantes de Salvador recentemente premiados com uma e duas facas, no The Best Chef Awards, em Dubai. Todas elas se referiam ao título da matéria: “aumentou depois do prêmio?”? “Porque tão caro?” “Prefiro meu churrasquinho”.
O que está por trás do preço dos menus degustação em Salvador e no mundo?
“É como ir num wine bar, levar seu próprio vinho e ainda reclamar da taxa de rolha”, ironiza um empresário do ramo, dono de um espaço do gênero na capital baiana, sem querer se identificar. “Meus custos com ar-condicionado e energia como um todo, equipe de serviço, segurança e manobrista não podem ser desconsiderados pelas pessoas que vão usar meu espaço e tudo o que ele oferece. Se uma taça quebrar? Ainda terei um custo para receber esse tipo de cliente e não tem empresário que sobreviva pagando pra receber o cliente”, desabafa.
“A precificação de um restaurante é algo extremamente complexo, pois não envolve apenas ingredientes, custos operacionais e lucro, é muito mais do que isso, estamos falando de experiência do cliente e percepção de valor”, explica Acácio Sacerdote, CEO do Grupo Food Qualy. Segundo ele, com 10 anos de experiência no mercado de food service, existem diversas formas de precificar um prato, por exemplo, começando pela ficha técnica, quando são levados em consideração todos os ingredientes necessários para a elaboração do prato, o valor, rendimento e suas variáveis durante o preparo.
Essa conversa, no entanto, é algo recente, ainda mais em Salvador, onde a alta gastronomia tem um percurso relativamente curto, de 20 anos pra cá, com destaque para os últimos anos, com a entrada de alguns restaurantes em listas nacionais e internacionais, atraindo olhares para o que se produz por aqui, além do já tradicional – e não menos importante, claro.
“Antigamente, as pessoas montavam restaurantes e não faziam cálculos. O custo da matéria-prima era menor, não existia tanta fiscalização quanto a tributação, malmente se emitia nota fiscal… Hoje, de ponta a ponta, se paga imposto e o produto fica muito caro. Se ele for um produto de qualidade, mais caro ainda. Existe filé mignon de boi clandestino e existe filé mignon de Black Angus, um boi que tem uma alimentação melhor, um melhor marmoreio, uma carne de melhor qualidade. Se o empresário escolhe esse primeiro, que ele não sabe a origem, ele não paga imposto, né? Ele pode precificar sem fazer conta”, avalia Fabrício Lemos, à frente do Grupo Origem, ao lado da esposa Lisiane Arouca.
O restaurante Origem, uma de suas sete operações, é um dos mais premiados de Salvador. Lá, o menu degustação, em diversas etapas, conceitualmente pensadas, custa R$ 340 (sem harmonização de vinhos) e R$ 650 (com harmonização). Uma versão vegetariana, previamente solicitada, sai por R$ 270.
Nada é por acaso e o valor, que pode parecer alto para o público soteropolitano, ainda está bastante abaixo de outros restaurantes nacionais igualmente premiados, como o Lasai, o melhor restaurante brasileiro no ranking 50 Best da América Latina. No espaço do chef Rafa Costa e Silva, no Rio de Janeiro, um menu degustação, sem bebida e sem o valor do serviço, pode superar os R$ 1 mil.
“A matéria-prima todo dia sobe, sobe, sobe. Então, o chef tem que ter essa habilidade de tentar, dentro da composição do prato, não focar na proteína principal, mais cara, trazer outros insumos, para que o prato não fique tão caro para o cliente final”, pondera Fabrício, destacando o custo depois da proteína limpa, ainda por cima. “Depois de limpo, o peixe, por exemplo, que custava R$ 40 o quilo, ele vai pra R$ 160, porque o aproveitamento do filé do peixe é só de 25%. Então, tem todo esse cálculo a ser feito e que, através de ficha técnica, a gente descobre o custo e a gente aplica pra precificar”, explica.
“Quem já comprou um quilo de camarão congelado pra fazer um prato em casa já percebeu que, no final, esse rendimento do camarão, depois de descongelado, descascado e cozido, cai para menos da metade. Essa diferença entre o peso bruto e o peso limpo é o que chamamos de fator de correção”, explica Sacerdote, de forma mais técnica.
Eles ganham coro de Kafe Bassi, premiada chef patissier do Manga, no Rio Vermelho. “O que mais influencia no preço são os produtos sendo usados, sempre em conjunto com a mão de obra. A conta, no final, precisa fechar. Se eu tenho um custo de mão de obra muito alto, porque eu preciso de muitos funcionários para executar os pratos na cozinha e preciso de muitos e bons funcionários para fazer um serviço excelente, na teoria, eu não poderia gastar muito com meus produtos, mas a gente quer produtos da melhor qualidade, de fontes confiáveis, então, preciso aumentar meu preço para conseguir tudo isso”, explica a simpática alemã, radicada em Salvador, onde comanda o restaurante com o marido, o baiano Dante Bassi, também chef de cozinha.
Segundo ela, mesmo tendo todo esse cuidado, a margem de lucro é muito pequena. “Nosso menu custa R$ 395 por pessoa, mas devia custar mais ainda para o que está sendo servido. Temos 10 etapas. Alguns pratos levam 10 itens, então, chegamos a juntar para cada cliente até 100 peças para um menu! E muitos desses itens ainda demandam um pré-preparo, como marinadas, curas, molhos e caldos, que usam mais ingredientes ainda”, revela a chef, que ainda investe alto na decoração e apresentação dos pratos, verdadeiras obras de arte.
Muito além do produto utilizado, não tem como não considerar os custos operacionais com o serviço, algo que quando se cozinha para os amigos em casa, não existe. “O consumidor precisa levar em consideração que comer fora de casa tem seu preço, afinal de contas quando se come em um restaurante, é só escolher, comer e pagar. Não precisa ir ao supermercado, preparar tudo e, no final, ainda arrumar e lavar uma pilha de panelas e louças”, destaca Acácio.
No caso de um menu degustação de restaurantes como o Origem e o Manga, o valor do custo precisa ser somado ao custo de mão de obra do serviço personalizado e de qualidade, que demanda ainda mais do que um restaurante com menu de formato tradicional, com tantas idas e vindas de pratos, trocas de taças e afins. “É muita gente para fazer tudo acontecer. As preparações são feitas no dia, para manter a qualidade. É uma operação que empata e porque a gente mantém? Porque ela acaba sendo um olhar internacional para o nosso estado e para as outras empresas que a gente tem. Ela nos dá visibilidade”, confessa o chef, que ainda precisa considerar o “custo cultural” das suas decisões.
“Eu e Lise e o Manga, que estamos no mesmo caminho, a gente sabe da realidade do nosso estado, né? Primeiro pela questão cultural. As pessoas não estavam acostumadas a comer menu degustação, é algo muito novo, esse tipo de experiência. Estavam acostumadas a rodízio, à la carte… Então, implantar isso dentro da cultura, isso custa. Às vezes é bem recebido, às vezes não. Então, primeiro, tem essa questão de informação cultural”, reflete.
Um segundo ponto que o chef traz é sobre os preços, em comparação com Rio de Janeiro e São Paulo, hoje considerados os principais polos gastronômicos do Brasil. “A gente tem o mesmo custo de matéria-prima praticamente. Não é porque você está em São Paulo que vai comer uma carne melhor. A gente tem acesso a essa carne. Só que lá eles podem precificar melhor, porque a renda per capta é maior. No nosso caso, a gente trabalha no limite. Temos que quebrar essa coisa de que só se faz uma boa gastronomia no Rio e em São Paulo. A gente tem condições de fazer, só que a gente não tem condições de cobrar”, explica Lemos, que vê como o maior desafio dessa precificação fazer com que as pessoas entendam o cálculo que é feito.
Outro desafio apontado por Kafe é que, em um restaurante de alta gastronomia, mesmo tendo sido calculado tudo certinho, “a conta geralmente só fecha tendo todas as mesas ocupadas sempre”, todos os dias, o que nos leva a outras questões culturais, como a importância da reserva, mesmo que não seja para menus degustação.
A reserva ajuda ao chef e a equipe a se preparar, inclusive, garantindo o número ideal de insumos e evitando, por exemplo, o desperdício. O “no show” não justificado representa menor faturamento naquele dia e dificulta que, de última hora, outros clientes que poderiam estar interessados na experiência ocupem aquelas vagas desperdiçadas.
Esse comportamento mostra que cidades como Salvador ainda precisam evoluir em termos de público, que, se interessado, pode buscar mais informações que expliquem o que está por trás do funcionamento de um restaurante e, consequentemente avaliar com mais afinco se o que está investido é válido ou não, antes de julgar apenas números. “Consigo afirmar com certeza que nem o Origem e nem o Manga estão custando caro para o que servem. Pelo contrário, estamos trabalhando com uma margem de lucro bem pequena”, defende Kafe, que ganha coro de Fabrício.
“Quando as pessoas vêm de outros países e estados pra cá e veem o valor do nosso menu harmonizado, elas não acreditam no quanto barato é. Se a gente cobrasse em dólar, nosso menu seria no máximo cerca de US$ 100. Com esse valor, lá fora, em um conceito de menu degustação, você não compra nem uma garrafa de vinho de boa qualidade”, reforça o chef, defendido por Acácio: “Encontrar o público alvo vai fazer com que o restaurante saia dessa guerra infinita de ‘preço’ e passe a oferecer uma experiência que o cliente pague sorrindo. Se o seu produto e serviço têm valor agregado, o cliente vai pagar e ponto final”.