Quem vai cuidar de você na velhice? Pergunta discute papel dos filhos no futuro dos pais

Quem vai cuidar de você na velhice? Pergunta discute papel dos filhos no futuro dos pais

Redação Alô Alô Bahia

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Carolina Cerqueira para CORREIO

Divulgação

Publicado em 31/08/2024 às 13:08 / Leia em 9 minutos

Para que as pessoas têm filhos? A resposta pode estar no amor, na tradição, na religião ou… no medo de uma velhice desamparada. Enquanto, para alguns, este último seria um motivo egoísta, para outros é genuíno diante da angústia de perceber-se envelhecendo sem ninguém ao redor.

A discussão, pessoal e virtualmente, foi aquecida após uma fala da atriz Paula Burlamaqui, de 57 anos, viralizar. Ela dava entrevista ao programa Sábia Ignorância, do GNT, quando disse que não tem filhos e tem medo de não ter quem cuide dela no futuro.

“Eu decidi não ter filhos, até para poder ser mais livre. E, hoje em dia, isso é um grande pesadelo na minha vida. […] Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria um filho só para garantir um bem-estar na minha velhice”, desabafou.

 

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Uma publicação compartilhada por GNT (@gnt)

Paula ainda compartilhou quais medos tem em relação ao envelhecimento, considerando o cenário de ter comprometimento físico ou psicológico e perder autonomia e independência.

“Eu e minha irmã, juntas, demos uma velhice para os nossos pais melhor do que se eles não tivessem filhos. Então eu fico apavorada pensando ‘quem é que vai cuidar de mim?’. E se eu tiver uma demência? E se eu tiver alguma incapacidade? Eu fico aterrorizada”, disse.

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Meme sobre cuidado com os idosos Crédito: Reprodução/Redes Sociais

A atriz não está sozinha. Enquanto a quantidade de crianças e de adolescentes deve cair pela metade na Bahia até 2070, o número de idosos deve aumentar 123,8%. A população acima dos 60 passará de 2,3 para 5,1 milhões e representará 40,4% do total. Os dados são do IBGE.

O psicólogo com concentração em saúde do idoso Rodrigo Jorge Salles, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, destaca que o medo do envelhecimento está conectado com um preconceito. “A concentração do medo da solidão na velhice talvez venha de um estigma que faz com que as pessoas vejam esse período como sinônimo de solidão e desamparo”, analisa.

A bióloga baiana Sindelia Braga, de 65 anos, compartilha da aflição de Paula Burlamaqui, mas diz não se arrepender. “Não ter filhos foi algo que aconteceu, não foi uma decisão. Apesar da apreensão que sinto hoje, não mudaria a minha vida anterior”, diz.

A gerontóloga Graça Senna, diretora da Faculdade da Maturidade, complementa a fala do psicólogo e reforça que envelhecer não é sinônimo de adoecer. “Existem múltiplas velhices. Não dá para colocar todo mundo em uma única caixinha. Eu tenho alunos de 90 anos que são totalmente autônomos e alunos de 70 bastantes dependentes”, defende.

Mas a apreensão de Sindelia está, justamente, em não saber o que o futuro reserva para ela. “Eu fico pensando que ficarei sozinha; imagina se eu fico acamada. Eu tenho uma sobrinha mais próxima que eu acredito que cuidaria de mim, mas a gente não sabe do futuro”, desabafa.

Ter filho é garantia?

Atualmente, ela cuida da mãe, que tem 102 anos, e ainda é voluntária em instituições de longa permanência. O contato com idosos aumenta ainda mais a apreensão que sente.

“Eu fico muito preocupada com eles, saio de lá triste. Mas isso me lembra também que ter filho não é sinônimo de ter alguém que cuide porque muitos dos idosos que eu visito foram abandonados pelos filhos”, pondera.

A ressalva é a mesma que fez a antropóloga Mirian Goldenberg em resposta à Paula Burlamaqui durante o bate-papo no programa. A especialista lembrou dos altos índices de agressões contra idosos e que, entre os principais agressores, estão os próprios filhos das vítimas.

A afirmação corresponde aos dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH). Em 2023, o Disque 100 registrou 129,5 mil violações físicas contra a pessoa idosa de janeiro a maio, um aumento de 106% em relação ao ano anterior, quando houve 62,7 mil registros no mesmo período.

“A maior parte das agressões físicas acontece dentro da própria casa da pessoa idosa, no seio de sua família, ocasionada por pessoas muito próximas como filhos, cônjuge, netos ou cuidadores domiciliares”, informa o órgão.

Sem caminhar rumo ao extremo, o advogado Carlos Ribeiro, de 59 anos, conta que tem dois filhos, mas não acha que seja obrigação deles cuidá-lo durante a velhice. “Tenho dois filhos e tê-los foi a coisa mais certa que fiz na minha vida, mas eu não posso, como pai, e até pelo amor que tenho a eles, jogar nas costas deles a responsabilidade integral com a minha velhice, a da minha mulher e ainda a de outros membros da família”, compartilha.

“Eles vão ajudar como puderem, mas cuidar de idosos com limitações é complicado. Eu sei disso porque convivi e convivo com muitos idosos. Em determinadas situações, você precisa de tempo e dinheiro. Por isso, eu faço meus planos e uma das possibilidades é morar em uma instituição de longa permanência, onde eu vou ter assistência e não deixarei de ter a atenção dos meus filhos”, acrescenta.

Diferenças culturais

Encarar o cuidado com os idosos como obrigação ou fardo é o que o Cacique Babau, de 50 anos, chama de “mania do homem branco”. Ele faz parte da nação Tupinambá da Serra do Padeiro, no Sul da Bahia, e conta que cuidar dos mais velhos é algo automático e enraizado no pensamento de todos da aldeia.

“A aldeia é toda uma família só. Tudo é dever de todos e nenhuma criança e nenhum idoso fica sozinho. Os mais velhos estão sempre rodeados de crianças para a transmissão do conhecimento. Eles são muito valorizados pela sabedoria que têm, são os mais respeitados. São como uma biblioteca, o centro de informação do povo”, explica o Cacique.

Ainda assim, a cultura brasileira é uma das mais “familistas” do mundo, segundo o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Fernando Altair Pocahy, que tem pós-doutorado em Antropologia Social. Há um apego ao núcleo familiar não visto, por exemplo, nos Estados Unidos, onde é muito mais comum que jovens mudem de estado para fazer faculdade e idosos morem em instituições de longa permanência.

“Mas é preciso dizer que configurações sociais e econômicas têm alterado isso. Com o maior número de pessoas solteiras e a redução da taxa de fecundidade, há uma mudança de configuração das redes de parentesco. Veremos mais pessoas numa mesma comunidade parental ou então isoladas, como é o caso de pessoas LGBT afastadas pelas famílias”, analisa.

Responsabilidade

Agregando à responsabilização do cuidado o poder público, o Governo Federal quer instituir a Política Nacional do Cuidado. O Projeto de Lei 2762/24, que está em análise na Câmara dos Deputados, reconhece o cuidado como direito de todos e reconhece a importância da corresponsabilização social e de gênero nas tarefas do cuidado.
As pessoas idosas estarão inclusas na Política, além de pessoas com deficiência, crianças e adolescentes e trabalhadoras e trabalhadores remuneradas e não remuneradas de cuidado. Ainda não há medidas listadas e a proposta é que as ações sejam elaboradas periodicamente.

A promotora de Justiça Ana Rita Nascimento, coordenadora das 2ª e 3ª Promotorias de Justiça e Direitos Humanos (idosos e PCDs da capital), comenta o cenário de demanda em Salvador.

Ela destaca que há apenas uma instituição de longa permanência pública na capital baiana. Quanto às particulares, são 90. Há muitas não legitimadas.

“A gente faz a fiscalização e encontramos muitos cenários de precariedade. Tem lugares que acham um grande feito servir três refeições por dia. Encontramos lugares com camas coladas umas nas outras, onde tem espaço, eles encaixam. Não pode ser assim. Mas vamos mandar fechar? Para aonde vão os idosos?”, coloca Ana Rita.

A promotora destaca a diferença entre locais que agem de má fé e aqueles que agem por desconhecimento. Para estes últimos, a medida é orientar e capacitar diligentes e responsáveis técnicos.

O psicólogo e professor da USP Rodrigo Jorge Salles acredita que a participação do poder público é fundamental, entendendo o cuidado como uma responsabilidade coletiva. Além da ampliação e qualificação da assistência em instituições de longa permanência, ele defende a expansão de centros de acolhimento com atividades recreativas que recebam idosos durante o dia.

A gerontóloga Graça Senna acrescenta demandas. “Não temos hospitais geriátricos, por exemplo. Eles seriam fundamentais. E o cuidado é algo tão amplo, vai muito além. A própria acessibilidade e a permanência no mercado de trabalho, que muitas vezes não são respeitadas, seriam ações de cuidado”, coloca.

O psicólogo ainda defende o cuidado com quem cuida. “Cuidar é uma tarefa complexa e é preciso amparar quem a realiza. A gente vê cuidadores que negligenciam suas próprias famílias para cuidar de outras e vemos que é uma tarefa ainda muito concentrada nas mulheres. Estudos mostram a apresentação de estresse, ansiedade e sintomas depressivos em quem exerce o cuidado”, argumenta.

O papel individual do próprio idoso também deve aparecer. “A gente tende a pensar na velhice só de forma negativa, mas temos que pensar na velhice de uma perspectiva saudável e, sobretudo, realmente pensar sobre ela e não só temê-la para que possamos fazer um planejamento, tanto financeiro e de saúde quanto de manutenção de vínculos afetivos fora da família”, finaliza.

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