Museu do Recôncavo Wanderley Pinho reabre hoje (8) com proposta de reflexão sobre o passado escravocrata e acervo com obras raras

Museu do Recôncavo Wanderley Pinho reabre hoje (8) com proposta de reflexão sobre o passado escravocrata e acervo com obras raras

Redação Alô Alô Bahia

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Kirk Moreno para Alô Alô Bahia

Elias Dantas / Alô Alô Bahia

Publicado em 08/12/2025 às 14:06 / Leia em 7 minutos

É no distrito de Caboto, em Candeias, em uma enseada com área verde densa e as margens da Baía de Todos-os-Santos que fica o Museu do Recôncavo Wanderley Pinho. O equipamento cultural, que esteve fechado por mais de duas décadas, reabre oficialmente após uma ampla requalificação física e museológica. Uma cerimônia de inauguração está marcada para a tarde desta segunda-feira (8), com a presença do governador Jerônimo Rodrigues. Antes da reabertura, o Alô Alô Bahia foi recebido com exclusividade para conhecer o edifício, que possui um acervo com 260 peças, incluindo mobiliário, indumentária, desenhos, pinturas, cerâmicas, fotografias, instrumentos de tecnologia rural e industrial e objetos de suplício, além de imagens sacras raras de valor inestimável.

Para conhecer todo o museu é preciso dispor de, no mínimo, três horas. Além disso, é preciso calcular o tempo de deslocamento. É possível chegar até o local via terrestre (cerca de 48 KM pela BR-324, uma média de 45 minutos de carro) ou pelo mar, que tem desembarque pelo atracadouro reformado e com direito a uma vista frontal do casarão. A visitação pode ser feita de quarta-feira a domingo, das 10 às 17h. A entrada é gratuita.

A visitação começa pelo primeiro andar. Nele possui cinco núcleos: Histórico (com linha do tempo com os marcos do Engenho Freguesia e do museu), Povos Originários (reúne fotografias, um vídeo documentário e uma intervenção artística em grafismo feita pelo artista indígena Thiago Tupinambá), Povos Escravizados (exibe documentos e manuscritos digitalizados do poeta Castro Alves, incluindo trecho do poema Os Escravos, de 1868), Doméstico (apresenta mobiliário, retratos, pinturas, desenhos e uma cozinha de época), Memória (reúne objetos de suplício e tortura na chamada Sala do Silêncio, convidando o público à reflexão).

Na saída do primeiro andar fica a capela de Nossa Senhora da Conceição –  é no dia dela que, por coincidência ou não, o museu reabre suas portas. Lá é possível conferir 30 obras de arte sacra que, após passar por um processo de restauração, se apresentam em perfeito estado de conservação. São peças dos séculos 17, 18 e 19 e com valor inestimável. A visita segue pelo térreo, destinado para exposições temporárias. Na reabertura, o público poderá conferir a mostra “Encruzilhadas”, que dá destaque a arte negra brasileira e africana dos acervos do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA) e do Solar Ferrão. São 40 artistas representados, nomes como Mestre Didi, Carybé, Goya Lopes, Pierre Verger, Rubem Valentim, Juarez Paraíso, Jayme Figura, Carlos Bastos, Bel Borba, Arlete Soares e Alberto Pitta.

O segundo andar, onde ficava os aposentos do casarão, não é aberto para visitação e abriga as áreas de pesquisa e administrativa. O subsolo é destinado para recepção, lugar de descanso, guarda-volumes e, futuramente, uma cafeteria. Todo trabalho de concepção dos núcleos expositivos foi coordenado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC), que contou com uma equipe de 180 pessoas em um trabalho minucioso de estudo.

Daniele Steele, coordenadora do equipamento cultural, destaca que o museu não é só o casarão. “Temos um jardim, de frente para a Baía de Todos-os-Santos. Temos uma floresta atrás da casa. O museu é tudo. Nós temos cadeiras de praia, nós temos bancos no jardim. A ideia é receber as pessoas para piquenique, usar como uma área de lazer e passem o dia aqui. É possível trazer pets”, ressalta a também artista plástica.

Museu do Recôncavo Wanderley Pinho reabre hoje (8) com proposta de reflexão sobre o passado escravocrata e acervo com obras raras

Um novo olhar sobre o passado

O museu foi criado no início da década de 1970. Ele está instalado no antigo Engenho Freguesia, que é considerado o primeiro do país e tem um conjunto arquitetônico formado por Casa Grande, capela, antiga fábrica, receptivo náutico e edificações de apoio. José Wanderley de Araújo Pinho – que batiza o equipamento cultural -, herdou o casarão que pertenceu ao seu avô, o governador-geral Mem de Sá, mais conhecido na história como Barão de Cotegipe. Foi Wanderley Pinho, filho do ex-governador da Bahia Araújo Pinho, que doou o edifício de quatro andares e 55 cômodos para o Estado. Em vida, ele – que foi professor da UFBA, prefeito de Salvador e deputado federal – chegou a apresentar no Congresso Nacional um projeto de lei para a proteção do engenho. Embora sem sucesso, o texto inspirou a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1937.

O Engenho Freguesia, datado do século XVI, foi instalado em uma área indígena, onde seu povo foi dizimado para dar lugar a fazenda de açúcar. Homens e mulheres escravizados da África serviram ao negócio. Em 1877, havia 121 pessoas escravizadas trabalhando no engenho em diferentes funções. A reabertura do Museu do Recôncavo pretende marcar uma nova fase de diálogo e reflexão crítica sobre o passado colonial e o sistema escravocrata do espaço. O projeto propõe recontar a história a partir das vozes da comunidade do entorno, antes marginalizadas, valorizando narrativas com origens africanas e indígenas.

“Tudo foi pensado de uma maneira de descolonizar esse museu, essa característica de museu que é uma casa colonial. Quando a gente chega aqui [Museu do Recôncavo Wanderley Pinho], a gente vê um casarão colonial que pertenceu ao engenho que funcionou com a mão de obra escrava. Antes disso, uma aldeia indígena que vivia aqui. Existiam indígenas que saíram daqui, que foram dizimados para que a casa fosse construída e povos escravizados vieram de outro continente para trabalhar e servir ao engenho. Nessa casa está o resumo da história do Brasil. A gente olha pra casa e a gente vê a história da colonização brasileira”, contou Daniele Steele, coordenadora do museu.

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Investimento de mais de R$ 40 milhões

O equipamento foi restaurado pela Secretaria de Cultura (SecultBA), via Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC), e Secretaria de Turismo (Setur). O investimento total, incluindo a contrapartida do Governo da Bahia, ultrapassou R$ 42 milhões, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O IPAC destinou ainda recurso superior a R$ 3 milhões para a conclusão das obras e execução do projeto expográfico que define a novo conceito do museu.

As intervenções contemplaram a restauração das edificações históricas, a criação de novos ambientes adequados ao funcionamento contemporâneo, a urbanização do entorno, instalação de gradil e implantação de um moderno sistema de segurança com 136 câmeras, monitoramento 24 horas e alarmes.

“A cultura é uma importante ferramenta de preservação da memória e construção de novas narrativas históricas e é isso que nós fazemos ao entregarmos esse museu após 25 anos fechado e reformado graças ao trabalho do Governo do Estado e do Governo Federal, mas especialmente com o novo conceito museal, trazendo o protagonismo daquela história para as pessoas que foram exploradas, escravizadas, especialmente negros e indígenas no território do Recôncavo. O que nós esperamos com isso é que todas as pessoas que passarem por esse local, além do encantamento com a sua beleza, tenham também o impacto da força da história que ali carrega”, declarou o secretário de Cultura, Bruno Monteiro, em conversa com o Alô Alô Bahia.

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