A rotina de Maurício Kubrusly, aos 80 anos, tem sido reconstruída dia após dia desde que o jornalista recebeu o diagnóstico de demência frontotemporal (DFT). Com a leitura impossibilitada, a fala reduzida e a memória cada vez mais limitada, ele ainda encontra prazer em duas atividades que resistem ao avanço da doença: ouvir música — sempre como se fosse a primeira vez — e caminhar pela Praia do Sargi, em Serra Grande, no litoral sul da Bahia, onde vive desde que deixou São Paulo.
A principal referência afetiva de Kubrusly hoje é a esposa, a geóloga Beatriz Goulart, cujo nome ele ainda reconhece. É ela quem cuida do jornalista e também quem registra, nas redes sociais, momentos que antes pertenciam ao cotidiano do casal e agora se tornaram lembranças. Em uma das publicações, Beatriz compartilhou uma foto do marido segurando um jornal, hábito que marcou anos de convivência.
“Era a alegria. Há quatro anos, ainda em São Paulo, meu amor lia o jornal para nós todas as manhãs. Abstinência. De Sampa, do jornal de papel, da voz dele ecoando. Permanência, das manhãs, do amor. Não há mais notícias”, escreveu. A postagem recebeu mensagens solidárias de seguidores, emocionados com o relato sobre o avanço da doença: “Força, coragem, afeto e fé em cada dia desta etapa”, disse uma usuária. Outra resumiu: “A impermanência às vezes dói”.
Kubrusly descobriu a enfermidade em 2016, quando passou a ter dificuldade para ler — atividade que sempre fez parte de sua rotina. A suspeita inicial era de Alzheimer, descartada com o tempo até a confirmação da DFT. A mudança para a Bahia veio para garantir mais tranquilidade ao casal, que hoje vive a 43 km de Ilhéus.
A nova fase foi registrada no documentário “Kubrusly: mistério sempre há de pintar por aí”, lançado pelo Globoplay no ano passado. A produção revisita momentos marcantes da carreira do ex-repórter do quadro “Me Leva, Brasil”, do “Fantástico”, e mostra como ele reage às próprias reportagens: ri, se diverte e, em seguida, surpreende-se ao descobrir que foi o responsável por cada uma delas. O filme também revela o vínculo afetuoso entre ele e Beatriz, visível em gestos simples — como quando Kubrusly, de súbito, pergunta: “Você me ama ainda?”. O sorriso imediato de Beatriz confirma: “Sim!”.