O Brasil pode viver uma nova era de racionamentos de água até 2050. Segundo o estudo “Demanda Futura por Água em 2050: Desafios da Eficiência e das Mudanças Climáticas”, divulgado nesta terça-feira (28) pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria Ex Ante, o país pode enfrentar, em média, 12 dias de interrupção no abastecimento por ano, número que pode ultrapassar 30 dias nas regiões Nordeste e Centro-Oeste.
A pesquisa projeta que a demanda por água tratada no país deve crescer 59,3% nas próximas duas décadas, impulsionada pelo aquecimento global, pela expansão urbana e pelo crescimento econômico. A combinação entre altas temperaturas e perdas na rede de distribuição, que ainda chegam a quatro em cada dez litros, coloca a gestão da água entre os maiores desafios nacionais.
“Os dados reforçam a urgência de agir agora. Se não reduzirmos as perdas e não planejarmos o uso sustentável, regiões já vulneráveis podem enfrentar escassez prolongada, com impactos severos na saúde e na qualidade de vida”, alerta Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.
As projeções indicam que, até 2050, a temperatura máxima nas cidades brasileiras deve subir cerca de 1°C e a mínima, 0,47°C, em relação a 2023. O número de dias chuvosos tende a diminuir, enquanto os eventos de chuva intensa se tornam mais frequentes, um cenário que reduz a reposição dos mananciais, amplia a aridez e eleva o risco de desertificação em novas regiões.
O estudo mostra ainda que cada 1°C adicional na temperatura pode elevar o consumo per capita de água em 24,9%, e que os efeitos climáticos combinados devem aumentar a demanda total em 12,4% acima do esperado apenas pelo crescimento econômico e populacional.
Atualmente, 40,3% da água tratada no Brasil não chega às torneiras, perdida em vazamentos, ligações clandestinas ou falhas operacionais. O volume desperdiçado chega a 7 bilhões de metros cúbicos por ano, o suficiente para cobrir toda a demanda adicional prevista até 2050.
Caso o país consiga reduzir as perdas para 25%, conforme o Plano Nacional de Saneamento, a produção necessária cairia em 2 bilhões de metros cúbicos, aliviando a pressão sobre rios, aquíferos e reservatórios. “A eficiência no sistema é o ponto de partida. Se conseguimos reduzir perdas, equilibramos oferta e demanda e garantimos o abastecimento sem exigir mais dos nossos mananciais”, reforça Pretto.
O avanço do saneamento básico e o crescimento urbano também influenciam diretamente o consumo. Segundo o levantamento, cidades com 100% de cobertura de água e esgoto tendem a ter PIB per capita 4,5 pontos percentuais maior e salários 1 ponto percentual mais altos do que aquelas sem cobertura total.
A urbanização tem efeito semelhante: cada 1 ponto percentual de aumento na população urbana gera 0,96% de crescimento no consumo de água. Fatores como temperatura, umidade e número de dias de chuva também interferem: cidades mais quentes e próximas ao litoral consomem mais do que as do semiárido, onde a oferta natural é limitada.
Nordeste e Centro-Oeste concentram os maiores riscos
A média nacional de restrição de oferta é de 3,4% ao ano, equivalente aos 12 dias de racionamento projetados. Mas em regiões de menor volume de chuvas, como o Nordeste e o Centro-Oeste, o cenário é mais crítico: o racionamento pode superar 30 dias por ano, com impactos diretos na saúde pública, na agricultura e no abastecimento urbano.
O relatório alerta ainda para a expansão do semiárido brasileiro e o risco de desertificação de novas áreas, caso o país não adote medidas urgentes de adaptação climática e gestão sustentável. “Se agirmos agora, reduzindo perdas, investindo em reuso, preservando florestas e planejando o crescimento das cidades, podemos garantir um futuro com água para todos”, afirma Pretto.
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