Caruru de São Cosme e São Damião completa um ano de reconhecimento como patrimônio imaterial da Bahia

Caruru de São Cosme e São Damião completa um ano de reconhecimento como patrimônio imaterial da Bahia

Redação Alô Alô Bahia

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Luana Veiga

Fernando Barbosa/Ascom IPAC

Publicado em 27/09/2025 às 10:20 / Leia em 4 minutos

Preparado com quiabo, camarão seco, cebola, castanha, amendoim e azeite de dendê, o tradicional caruru de São Cosme e São Damião completa, neste mês de setembro, um ano desde que foi declarado como patrimônio cultural imaterial do estado. O reconhecimento foi resultado de um processo de pesquisa e escuta junto às comunidades, que mantêm viva a tradição, garantindo visibilidade e proteção para um dos ritos mais importantes da cultura baiana.

Todos os anos, as festas em devoção a São Cosme e São Damião, associados aos Ibejis nas religiões de matriz africana, trazem a iguaria como uma das grandes estrelas. O rito envolve a preparação da comida, a organização da mesa, as rezas e cantos, a partilha coletiva e a presença das crianças conhecidas como os “sete meninos”, que são servidas antes dos adultos. Esse gesto simboliza o cuidado e a ligação direta do caruru com a infância, já que os santos gêmeos são lembrados como protetores das crianças.

Autor do dossiê que embasou o processo de reconhecimento do caruru como patrimônio cultural imaterial, o líder do Terreiro Lembá, Tata Ricardo, destaca o caráter histórico do registro. “O reconhecimento é, antes de tudo, uma ação reparatória. Também é uma medida protetiva, de cuidado e salvaguarda, voltada a uma manifestação que não apenas expressa a fé de um povo, mas carrega um legado ancestral de resistência, afetividade, saberes e identidade. Trata-se de uma festa que une história, devoção e compromisso com a memória coletiva do povo baiano”, afirma. “O caruru não apenas alimenta: ele guarda saberes, ancestralidade, resistência e afetividade. É uma manifestação que conecta gerações e reafirma o compromisso com a memória coletiva do nosso povo”, conclui.

Matrizes culturais

A origem do caruru está ligada a diferentes matrizes culturais. O nome vem do tupi caá-riru, que significa “erva de comer”, lembrando que, em versões mais antigas, eram utilizadas folhas como bredo e taioba no preparo. Com a presença africana, especialmente de povos oriundos do Golfo do Benim, a receita incorporou o quiabo e o azeite de dendê, que se relacionam diretamente à cosmologia iorubá. Na tradição, o quiabo é também a base do amalá, comida oferecida a Xangô e aos Ibejis. Esse encontro entre referências indígenas e africanas ajudou a consolidar o caruru como parte essencial da identidade cultural da Bahia.

Relatos históricos do século XIX mostram que o caruru já era realizado tanto em casas particulares quanto em espaços comunitários em Salvador e no Recôncavo. Em muitos lugares, o costume envolvia a realização de grandes festas com música, samba, rezas e distribuição de doces. Essa dimensão coletiva segue presente até hoje, reforçando o papel do caruru como espaço de convivência, fé e fortalecimento de laços comunitários. Além de sua importância nas religiões de matriz africana, a tradição se espalhou também para contextos familiares e populares, alcançando até aldeias indígenas que incorporaram a celebração aos seus próprios rituais.

Apesar da sua força cultural, o caruru também enfrentou dificuldades ao longo do tempo. Durante muitos anos, práticas ligadas às religiões afro-brasileiras sofreram perseguição e tentativas de apagamento, o que atingiu também a realização do caruru. Mais recentemente, manifestações de intolerância religiosa continuam a ameaçar a tradição, muitas vezes associando os ritos a preconceitos ou demonizações. O reconhecimento como patrimônio imaterial surge como um instrumento de proteção frente a essas ameaças e uma forma de valorizar a importância histórica e cultural do caruru.

 

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