Um caso inusitado de pensão por morte foi analisado pela Justiça Federal em Santa Catarina. Duas mulheres que compartilharam por 35 anos a vida com o mesmo homem, em uma relação de poliamor sob o mesmo teto, conseguiram o direito de dividir o benefício previdenciário do INSS após a morte dele. O episódio ocorreu em Santa Terezinha do Progresso, município de pouco mais de 2,4 mil habitantes.
O pedido havia sido negado administrativamente pelo INSS, o que levou as companheiras, hoje com 53 e 60 anos, a recorrer ao Judiciário. A Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Santa Catarina reformou a decisão inicial e reconheceu o direito das duas.
Na decisão, a relatora Gabriela Pietsch Serafin destacou: “Apesar de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter proibido, desde 2018, o registro em cartório de uniões poliafetivas — envolvendo três ou mais pessoas —, a norma não impede que essas relações sejam reconhecidas judicialmente”.
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) já tenha firmado entendimento de que não é possível validar uniões estáveis simultâneas, a magistrada entendeu que o caso configurava um núcleo familiar legítimo. “No campo do Direito Previdenciário, a ausência de proteção estatal a esta família implicaria a desconsideração de toda uma realidade experienciada por mais de 35 anos e o aviltamento da dignidade de todas as pessoas envolvidas”, justificou.
O voto, seguido de forma unânime pelas demais juízas da Turma, também se apoiou em precedentes recentes que envolveram uniões poliafetivas em Bauru (SP), com decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo em julho deste ano, e em Novo Hamburgo (RS), apreciado pelo Tribunal de Justiça gaúcho em agosto de 2023.
A primeira união do segurado teve início em 1978. Dez anos depois, em 1988, a segunda parceira passou a integrar a relação, que só terminou com a morte dele em 2023. O trio, ligado à agricultura, teve oito filhos — quatro com cada uma das mulheres — e era amplamente conhecido na cidade, chegando a ser tema de reportagem.
Em seu voto, a juíza citou um trecho de Anna Kariênina, de Leon Tolstói: “Se há tantas cabeças quantas são as maneiras de pensar, há de haver tantos tipos de amor quantos são os corações”.