O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a abertura de inquérito para apurar a atuação de uma possível organização criminosa no Pará. A quadrilha é suspeita de aliciar policiais militares, realizar saques milionários em dinheiro vivo, cometer crimes eleitorais e fraudar uma licitação de R$ 142 milhões vinculada à COP 30, conferência do clima marcada para novembro de 2025, em Belém.
A investigação, solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), gira em torno do deputado federal Antônio Doido (MDB-PA), apontado como o líder do esquema. Também são alvos da apuração o secretário de Obras Públicas do Pará, Ruy Cabral, e o coronel da PM Francisco Galhardo, que atuaria como segurança do parlamentar. Outras nove pessoas estão sendo investigadas.
A denúncia partiu da própria PGR, comandada por Paulo Gonet, e foi acatada por Dino ainda em março deste ano. O caso corre sob sigilo, mas parte do conteúdo veio a público por meio do site Metrópoles, e o g1 teve acesso ao pedido de inquérito.
O esquema investigado envolveria duas empresas com ligação direta com o deputado Antônio Doido:
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J. A Construcons Civil Ltda, em nome de Andrea Dantas, esposa do parlamentar, que recebeu R$ 911 milhões do governo do Pará entre 2020 e 2024;
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JAC Engenharia Ltda, registrada em nome de Geremias Hungria, funcionário de uma fazenda do deputado em Tomé-Açu, no interior do estado.
Ambas as empresas formaram o Consórcio Perna Norte, responsável por uma proposta de R$ 142,3 milhões para obras em Belém voltadas à COP 30. No mesmo dia em que o consórcio foi habilitado na licitação — 20 de setembro de 2024 — o coronel Galhardo sacou R$ 6 milhões em Castanhal (PA) e trocou mensagens com o secretário Ruy Cabral, tentando agendar um encontro presencial. A reunião, segundo a investigação, acabou ocorrendo dias depois.
Crime eleitoral
Em 4 de outubro de 2024, às vésperas das eleições municipais, o coronel Galhardo e Geremias Hungria foram presos em flagrante ao sacar quase R$ 5 milhões em espécie. A Polícia Federal chegou até eles após uma denúncia anônima sobre compra de votos.
A análise posterior do celular do PM revelou indícios de corrupção ativa e passiva, além de tentativas de interferência em processos licitatórios. A PGR identificou também mensagens trocadas com prefeitos e parlamentares estaduais, sugerindo um esquema mais amplo de influência política.
Diante da pressão, o governo do Pará revogou a habilitação do consórcio em janeiro de 2025, anulando a licitação sob suspeita. As empresas de Antônio Doido não chegaram a receber recursos por esse contrato.
As investigações revelaram ainda que o coronel Galhardo movimentou cerca de R$ 48,8 milhões em saques apenas entre 2023 e 2024, conforme um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Parte desse montante teria sido sacada em casas lotéricas e transportada em sacolas plásticas ou sacos de lixo, segundo a PGR. Mensagens de WhatsApp indicam que o PM coordenava um grupo batizado de “Segurança AD”, formado por policiais militares que atuavam como seguranças particulares de Antônio Doido e operadores dos saques milionários.
Uma das mensagens destaca um pedido do deputado para que Galhardo buscasse R$ 600 mil com um contato em Belém. A PGR afirma que essa movimentação financeira “faz parte do ciclo típico de lavagem de dinheiro” proveniente de corrupção.
Apesar do cancelamento da licitação da Perna Norte, a J. A Construcons Ltda ainda mantém contrato ativo com o governo estadual em outra obra da COP 30, com recursos federais, no valor de R$ 123,3 milhões. Este contrato ainda não é alvo direto da investigação, mas poderá ser incluído nas apurações futuras.