Flor Gil estava no ônibus para a escola, em Nova York, nos Estados Unidos, onde mora atualmente, quando foi surpreendida com um convite especial do compositor Mu Carvalho, produtor musical de diversas telenovelas e filmes brasileiros. Aos 16 anos de idade, a neta de Gilberto Gil, 83, integra a trilha sonora de Êta Mundo Melhor!, da TV Globo, como voz da música inédita Chegou para Ficar, que chegará às plataformas de streaming em breve.
“Foi um convite superinesperado. Crescendo numa família tão musical, acabo conhecendo muitas pessoas que nem sei que já havia conhecido. O Mu Carvalho me escreveu para cantar essa música que ele compôs com a Monique Kessous. Não tive a noção exatamente do que ele estava falando. Estava meio perdida, não caiu a ficha que era para estar na trilha da novela”, conta a filha mais velha de Bela Gil e João Paulo Demasi em entrevista exclusiva à Quem.
A faixa foi gravada no estúdio com o produtor Zé Luis, amigo de Mu Carvalho e grande colega de trabalho de seu avô materno, na cidade norte-americana onde também vive o músico. “Poder conhecer essas pessoas por minha própria pessoa, por mim mesma, é uma relação diferente. É bom que, nessas oportunidades, acabo conhecendo quem me viu bebezinha”, comenta.
Flor conta que ficou emocionada com o resultado da gravação para a trama de Walcyr Carrasco como um trabalho diferente do que faria normalmente, mas uma chance importante de ampliar os horizontes de uma artista iniciante, aberta à diversidade de repertório. “Fiquei: ‘”Nossa, que oportunidade legal’. Não imaginava, foi muito inesperado e a música é linda, eu amei”.
Alcance de uma trilha sonora
A adolescente reflete sobre a importância de estar entre as vozes de uma novela, preparada para alcançar o chamado público do sofá que, não, necessariamente, chegaria até ela sem um trabalho televisivo. “Chego num público diverso, porque aparece mães, mulheres de 30, 40 anos no meu Spotify, ouvindo Galinha Pintadinha (especial gravado com o avô), gente mais da minha idade e os fãs mais velhos do meu avô. Mas, na novela, na casa de todo mundo, é um público muito mais diverso e maior”.
A dona do álbum Cinema Love, lançado em abril deste ano, que mescla inglês e português, do MPB ao indie, garante uma nova versão de sua arte na obra global. “A gente vai conseguir escutar a minha voz de um jeito que não necessariamente viria naturalmente de mim. Canto de vários estilos diferentes, no meu disco tem um estilo de voz ou no show com meu avô tem outro estilo. Nessa faixa, cantei também de um outro jeito”.
Embora seja um contexto inovador para a carreira, Flor segue embalada pelo amor, romantismo das relações e a sensibilidade que é norte de seu trabalho. “Fiquei muito feliz, porque vou conseguir também expandir o meu leque de variedades e para um outro público. A faixa fala de amor, de uma relação, que é algo que me vejo mais cantando do que outras coisas, nesse sentido seria algo que viria naturalmente de mim”.
Memória afetiva com novelas
Nascida em 2008, Flor talvez não tivesse qualquer ligação com o universo das novelas se não fosse a veia artística, rodeada de profissionais do ramo. O que dá ainda mais importância ao novo passo. “Novela sempre esteve muito presente na minha casa, qualquer TV ligada, estava com novela passando. A diretora Amora Mautner era muito próxima da minha família, tem esse lugar de reconhecer o trabalho de um outro ponto de vista. Vários atores e atrizes estão muito presentes na minha família. A Carolina Dieckmmann, Alice Wegmann, João Vicente, que estão em Vale Tudo”.
Imersa na era das redes sociais e streaming, a cantora reconhece que é fora da curva da sua geração no interesse pelo formato, embora já esteja disponível online. “Tem muita gente na minha geração que nem sabe o que é novela. Mas eu adoro, acho muito interessante. É algo que você senta ali e não consegue sair, fica até o intervalo que dá para dar uma saída, é intrigante. Minha melhor amiga é noveleira, minha amiga Giulia Benite, que não fez novela, mas é outra atriz. Nathi Costa, a gente foi muito próxima um tempo, fez bastante novela”, relata.
Intimidade com as câmeras e atriz em potencial
A TV sempre foi muito presente na vida de Flor, que relembra da intimidade com as lentes desde a primeira infância com os programas culinários da mãe, Bela Gil, atualmente no sofá do Saia Justa, do GNT. “Lembro de ver TV enquanto a gente estava acordando para ir para a escola. Agora, recentemente, comecei a ver novela de novo. Aqui é mais difícil porque nem tenho TV em casa, muitas pessoas jovens não têm, só não tenho por questão de espaço, porque adoro. Se pudesse, veria o tempo todo. É legal ver novela só de ver o que está passando para ficar ciente do que está rolando”.
Ela não descarta a possibilidade de integrar um elenco de folhetim para além das canções. “Já experimentei essa parte, acho que poderia melhorar cada vez mais. Por conta da minha mãe, estive muito presente atrás das câmeras e na frente sempre foi um um lugar também meio natural. Vim de uma família muito musical, a música está muito presente, mas minha mãe, desde que me lembro de ser gente, estava fazendo alguma coisa na frente da da câmera. É um ambiente natural para mim”.
Seu histórico nas telas inclui uma participação na série Detetives do Prédio Azul, da Gloob, quando passou de fã para elenco, e chegou a trabalhar no filme Chama A Bebel, lançado nos cinemas em 2024, ao lado de grandes amigos. “Foi minha primeira vez fazendo realmente uma personagem. Faria de novo. Talvez agora com mais confiança, com mais experiência, que atingi no palco, de personagem mesmo no palco”.
Ela acredita que a vivência da música é também um pontapé para novas experiências como atriz. “Tem uma hora que você tem que criar um personagem no palco também. Acho que com essa confiança que consegui e tenho conseguido vivenciar no palco, consigo trazer isso para a frente das câmeras e vice-versa”.
Conexão com a tia, Preta Gil
Flor pede licença para citar Preta Gil, que mora atualmente nos Estados Unidos para um tratamento experimental de câncer. A conexão bastante compartilhada da dupla passa também pela influência da veterana dos palcos no interesse da sobrinha por novelas, como parte da rede de apoio da tia no país estrangeiro.
“Com a minha tia aqui em Nova York, ela adora novela, sempre que eu vinha vê-la, a novela estava passando. Foi aí que comecei a ver Dona de Mim, até A Viagem, que está passando agora na Globo, e Vale Tudo. Com isso presente, consigo ver como essas novelas até influenciam a minha vida, imaginando como [minha música] vai influenciar outras pessoas”.
Estreia solo no Brasil
Em meio ao alcance do público com o canal mais popular das telinhas, Flor terá um próximo passo artístico em breve. Ela assumirá a missão de levar o álbum de estreia, com singles como Hell No e Choro Rosa, aos palcos brasileiros pela primeira vez. As apresentações acontecerão no Bona Casa de Música, em São Paulo, no dia 14 de agosto, em Salvador, na Casa da Mãe, no dia 16 de agosto; e no Rio de Janeiro, no Blue Note Rio, no dia 17 de agosto.
“Estou animada porque vou levar o meu disco e levar um pedaço diferente do que mostrei no palco com meu avô e da música da novela. Ao mesmo tempo, é a mesma pessoa, tudo vem de mim. Vai ser meio que um link de tudo”, reflete ela sobre o repertório marcado por feats com nomes como Carol Biazin e Vitão, além da companhia do primo, Bento Gil, no violão.
Influência do avô, Gilberto Gil
Está nítido na fala e nos olhos de Flor a admiração pelas referências familiares e, sobretudo, a aceitação do sucesso que antecede a sua vinda ao mundo. Nutrir-se da influência do avô e da tia, para além de tantos outros parentes, foi inevitável para a garota. “Vejo muito de mim nos dois, vejo muito as influências deles em mim, são bem presentes e bem fortes, consigo ver com bastante clareza. E o tanto que algo que vi neles me ajuda a fazer melhor, levar para minha própria experiência”, avalia.
Além dos conselhos denominados pela cantora como indiretos, pautados na convivência, ela destaca as dicas preciosas de um ícone da música brasileira que qualquer iniciante gostaria de ter ao lado. “Tem conselhos que são dicas de como estar no palco, do que fazer. Muita gente me pergunta isso, não tenho exatamente um conselho exato de nenhum dos dois. Mas estando ali presente ao lado deles já é uma lição. Aprendo muito ao lado deles”, afirma.
“Sei que meu avô quer muito o meu melhor. Se ele tiver algo para falar, ele vai falar. Sendo do jeito que seguro o microfone ou virar mais para o público, coisas pequenininhas que não diria que seria conselhos interessantes para as pessoas saberem, são coisas mais técnicas. Mas mesmo esses conselhos pequenos, fazem muita diferença”, completa.
Peso de ser uma Gil
É com a mesma leveza que Flor encara a responsabilidade de carregar um sobrenome de peso, do qual fez questão de levar para frente. Não há receios em bancar a decisão de se tornar mais uma potência artística de um clã regado de nomes fortes. Ela confirma que a música foi uma escolha inerente a tudo o que viu como norte desde o nascimento.
“Vejo só como uma bênção, como uma sorte absurda que tenho de ter isso. Jamais me afastaria disso. Aprendo muito com minha família. Sempre tive desejo de cantar, de ter uma carreira com música e ser artista, sempre foi algo natural, desde pequena. Ter essa família, obviamente, que fez eu ter esse desejo, mas de ter também o apoio deles. Foi menos como uma pressão e mais como um apoio para desenhar esse meu processo”, declara.
Há quem busque por uma independência artística sem qualquer vínculo nominal com raízes genéticas. Esse definitivamente não é o caso de Flor, que aproveita do berço de ouro para produzir ainda mais joias. “Poderia ter escolhido fazer música do mesmo jeito, negando a presença, escuta, conselhos, opiniões de outros membros da minha família. Mas levei muito como uma ajuda e um braço direito para qualquer coisa, para desenhar meu caminho”, explica.
E qual é, então, o significado de ser uma Gil? “Escolher ficar com o nome de uma forma artística é enaltecer de onde eu venho. Até pensei em fazer só Flor, tirar o Gil. Foi algo rápido, depois pensei: ‘Mas para que eu faria isso?’. Tenho orgulho e não tem mais nada para sentir além de orgulho e de sorte. Carregar esse sobrenome mostra minha gratidão por isso, pela oportunidade e pelas diversas portas que foram abertas para mim por causa disso”.
Sonhos
Reconhecer os privilégios de uma estrutura estrelada não significa que Flor não esteja em busca da própria identidade. Para falar de sonhos, a cantora mira na imensidão de possibilidade acústicas permeada pela sensibilidade que já lhe é identitária. “Um dos meus sonhos é viver da música, vou graduar logo, já estou no último ano da escola e quero já seguir para isso. Quero me conectar com as pessoas pela música, poder trabalhar com mais artistas, explorar vários lugares e estilos que são naturais para mim e, ao mesmo tempo, outros que não sejam. A oportunidade na novela foi um exemplo”, reflete.
“Queria manter uma relação com o público de confiança. Com o disco, quebrei muito a expectativa das pessoas como um membro da família Gil. Vim com uma coisa completamente diferente do que esperavam, algo mais eu. Ficou confuso para as pessoas, mas o disco foi só uma seleção. Tem várias outras músicas que cabem perfeitamente no ouvido de alguém que me conhece como neta do Gilberto Gil”, acrescenta.
O cenário desse eventual destino nem Flor sabe ao certo a resposta, desde que siga fazendo arte, seja em inglês, português, fincada nas origens do MPB ou mergulhada na mistura de gêneros dentre R&B, indie, pop e mais. “Estou morando em Nova York agora, mas, depois, posso me mudar para o Brasil, posso mudar para a França. Aberta a qualquer lugar”, conclui.