Após 30 anos no setor financeiro, baiano muda de profissão para viver de painéis feitos com casca de ovo

Após 30 anos no setor financeiro, baiano muda de profissão para viver de painéis feitos com casca de ovo

Redação Alô Alô Bahia

redacao@aloalobahia.com

Nilson Marinho para CORREIO

Divulgação

Publicado em 21/04/2025 às 19:43 / Leia em 5 minutos

Foi durante o isolamento social da pandemia, quando milhões de pessoas se trancavam em casa para escapar do avanço da Covid-19, que Tiago Porto, então bancário, resolveu fazer um curso online de artesanato. Como tantos outros que buscavam aliviar a tensão daquele período sombrio, ele mergulhou em uma nova atividade criativa proposta pelas aulas: transformar o cotidiano em arte.

Devoto de São Francisco, Tiago escolheu representar o santo em um quadro feito com uma técnica curiosa e, até então, completamente nova para ele: o mosaico com casca de ovo. O resultado surpreendeu, e tanto chamou atenção que a peça foi vendida, mesmo sem intenção inicial de comercialização.

O sucesso da primeira obra o motivou a produzir uma segunda, que também encontrou um comprador em pouco tempo. Foi nesse momento que Tiago percebeu que aquilo que começou como um passatempo poderia se tornar um novo caminho profissional. Após anos no setor financeiro, ele tomou a decisão corajosa de deixar a estabilidade do banco para iniciar uma transição de carreira e mergulhar de vez no universo do artesanato.

“Comecei de forma despretensiosa. Fiz um quadro de São Francisco, depois um segundo, e então começaram a surgir encomendas de quadros de orixás. Foi aí que percebi que aquilo podia deixar de ser uma brincadeira e se tornar um negócio — e foi o que aconteceu. Hoje trabalho com vários temas, neutros e religiosos, mas os quadros de orixás são meu carro-chefe”, conta.

A transição de carreira não foi feita por impulso, mas com muito planejamento, afinal, o medo natural do fracasso era uma presença constante. Tiago receava deixar um emprego estável e cobiçado por muitos e, caso não desse certo, não conseguir mais retornar ao mercado financeiro. Foram quase 12 meses conciliando o trabalho com a produção artesanal até tomar coragem.

“Pensei: ‘Se não der certo, pelo menos eu tentei’. E realmente é uma mudança brusca: você sai de um salário fixo para viver de arte, que é algo incerto. Até conseguir estabilidade no artesanato, tudo é muito instável”, lembra.

Tiago teve a sorte de contar com o apoio das pessoas que mais ama. Seu companheiro, sua mãe, familiares e amigos próximos foram seu porto seguro e os maiores incentivadores durante a transição de carreira. Nem todos, porém, acreditavam que ele conseguiria transformar o artesanato em uma profissão, muitos duvidaram que pudesse dar certo.

Tiago trabalha em casa, onde montou um ateliê exclusivo. Sua rotina é disciplinada: horário fixo, pausas programadas e foco total na produção, que se intensifica nos períodos que antecedem feiras e eventos. Às vezes, se ocupa de domingo a domingo para dar conta de tudo.

No novo ofício, Tiago aprendeu a lidar com a instabilidade financeira característica do artesanato, já que seu “salário é fracionado”, ou seja, vem conforme a produção e as vendas”, explica. Para lidar com isso, ele adotou um controle financeiro, habilidade que desenvolveu com a ajuda de cursos e de apoiadores ao longo da transição. Tiago estabeleceu uma rotina em que define um valor mensal como se fosse um salário fixo, e, quando precisa ultrapassar esse limite, encara o gasto como um “empréstimo” que deverá ser reposto.

As vendas acontecem principalmente pelas redes sociais, por encomendas diretas e em feiras presenciais. Foi nesses eventos que ele viu sua arte extrapolar fronteiras. Mesmo com pouco tempo de profissão, já representou a Bahia em feiras nacionais como a FENACE (Fortaleza), Salão do Artesanato de Brasília e eventos em São Paulo.

“Graças a Deus, meu trabalho é reconhecido. Tenho peças em lojas fora do estado: São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza. Quando as pessoas veem, já sabem que é meu. Consegui construir essa identidade. E hoje tenho uma vida mais estável financeiramente do que quando trabalhava com carteira assinada”

Sua inspiração vem da sua curiosidade. Quando começa um trabalho, não sossega até que a peça fique pronta. Tiago também mergulha em pesquisas para se aprimorar mais e fazer algo diferente. 90% das suas ideias, calcula, surgem em sonhos. “Eu fico pensando tanto que acabo sonhando com criações, acordo e já começo a desenhar para não esquecer. Já aconteceu de eu sonhar com uma peça, criar, não dar muito certo, e depois sonhar com outra versão que melhora a anterior”, finaliza.

O sonho do ex-bancário é se profissionalizar cada vez mais no universo do artesanato, segmento que, na sua visão, vem ganhando mais valorização nos últimos anos. Apesar disso, ele observa que ainda há quem veja os expositores de feiras com certo preconceito, como se estivessem ali apenas por necessidade ou fossem obrigados a vender barato. Para ele, é necessário mais delicadeza no trato com quem vive do ofício, já que muitos estão nesses espaços não só porque precisam, mas, sobretudo, porque acreditam no que fazem.

Leia mais notícias no CORREIO.

Compartilhe

Alô Alô Bahia Newsletter

Inscreva-se grátis para receber as novidades e informações do Alô Alô Bahia