“Você já foi à Bahia, nega? Pois vá”, já dizia Dorival Caymmi. E, se for, como recomendam os baianos, um dos momentos mais marcantes para se vivenciar é a cerimônia de saída do bloco afro Ilê Aiyê, na ladeira do Curuzu, em Salvador. Um rito de fé, ancestralidade e música, comandado por Vovô, fundador e presidente do bloco, com oferendas a Oxalá e Obaluaê, o som dos tambores e a presença da Deusa do Ébano, vencedora do concurso de beleza negra promovido pelo Ilê.
Capturar em palavras a força desse momento já é tarefa desafiadora. Transformá-lo em música, então, exige sensibilidade e reverência. É exatamente isso que entrega “Cadência Nobre”, novo single de Emanuelle Araújo, lançado nesta quinta-feira (17) nas plataformas de streaming. Composição de Tenison Del Rey e Edu Casanova, a faixa nasce como uma ode ao Ilê Aiyê e traduz em som a atmosfera sagrada da saída do bloco afro mais antigo do Brasil, que em 2025 celebra 50 anos de existência.
“Foi tão impactante que comecei a chorar”, revela Emanuelle sobre o primeiro contato com a canção, recebida em voz e violão em sua casa, em São Paulo. A emoção foi tanta que o marido da cantora chegou a se preocupar. “Disse: ‘Me dê solidão e não se preocupe porque é uma coisa boa’”, relembra.
Produzida por Kassin e mixada por Michael Brauer, engenheiro de som norte-americano que já trabalhou com nomes como John Mayer, Rolling Stones, Coldplay e James Brown, “Cadência Nobre” une a força da percussão baiana a uma orquestra sinfônica. Os arranjos de cordas são assinados por Felipe Pinaud e executados pela Tallin Studio Orchestra, da Estônia, terra do compositor Arvo Pärt e dos maestros Paavo e Kristjan Järvi.
A maior parte das gravações foi realizada em Salvador, no lendário estúdio W.R., considerado o “Abbey Road baiano”. Vozes e sopros foram captados no Estúdio Marini, no Rio de Janeiro. Entre os destaques, está também o piano delicado de Marcelo Galter, integrante do trio Mocofaia, que dialoga com suavidade com a voz doce e emocional de Emanuelle.
“Sempre quis ter uma faixa que tivesse uma combinação de orquestra percussiva com orquestra de cordas. Achei que essa música seria perfeita para a gente experimentar essa história”, conta a artista, que já havia homenageado a música baiana em seus três singles anteriores: “Vá na Paz do Senhor” (samba-reggae), a regravação de “Minha História” e “Tem Não”, em parceria com Tatau.
A relação de Emanuelle com o Ilê Aiyê é antiga. Começou ainda na juventude, em aulas de dança no Pelourinho, e seguiu ao longo da carreira, especialmente no período em que esteve à frente da Banda Eva. “Convivi algumas vezes com Vovô, a gente criou uma relação de muito respeito. O Ilê Aiyê faz parte das minhas playlists diárias. Com sua musicalidade potente, o bloco e a fundação persiste e comunga trabalhos importantíssimos o ano inteiro. Então, para mim esse lançamento tem uma grande importância”, afirma.
Assim que recebeu a composição, a cantora fez questão de compartilhar com Vovô, que não apenas aprovou, como autorizou a participação de integrantes da banda do bloco na gravação. A conexão foi imediata. “Adoro o nome da música ‘Cadência Nobre’. Me vem de imediato a imagem da nobreza dos seus integrantes, na saída do Ilê. Ali estamos na frente de muitas divindades. Para mim é um momento sagrado”, diz.
“Cadência Nobre” é uma das faixas do novo álbum de Emanuelle Araújo, previsto para o segundo semestre de 2025, e reforça sua missão de celebrar e ressignificar a música baiana, agora com um tributo afetuoso ao Ilê Aiyê.