Quem vê o galpão de 200m² repleto de Bíblias e livros cristãos no bairro do Uruguai dificilmente imaginaria que o principal responsável pelo espaço, o empresário Lucas Nogueira, 31 anos, começou vendendo livros aos colegas da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e chegou a receber auxílio emergencial na pandemia. Na época de estudante, ainda no Bacharelado Interdisciplinar (BI) em Humanidades, ele comprava os exemplares com o próprio cartão de crédito na editora da Igreja Assembleia de Deus para revender.
Lucas precisava de dinheiro para pagar aquela que, em 2014, era sua viagem dos sonhos: um congresso cristão no Panamá, organizado por uma entidade evangélica que conheceu na própria universidade. Pouco mais de uma década depois, o que começou como uma forma de conseguir cerca de R$ 5 mil que a família não tinha condições de arcar se tornou uma empresa com seis funcionários e que recebe, num dia ruim, pelo menos 300 pedidos. Nos dias bons – que coincidem com os dias de promoção mensal na Shopee, onde a loja virtual fica hospedada -, chega a vender quase mil pedidos por dia na plataforma. Ele tem 9,9 mil produtos em oferta na loja. As Bíblias, que são um dos destaques, têm preços que variam de R$ 20 a R$ 400.
Ele e a esposa gerenciam, agora, quatro funcionários, responsáveis por responder aos pedidos de todo o Brasil. Lucas se tornou, de fato, ‘Lucas dos Livros’ – o apelido pelo qual era conhecido antes de virar sua marca. “A gente foi crescendo, crescendo e ia saindo cada vez mais produtos. Chegou ao ponto que não dava mais espaço para comportar, daí fomos para o galpão, no início do ano passado. Graças a Deus, não tem mais a questão do espaço, mas fomos adicionando outros produtos”, conta ele.
O ponto de virada foi em 2021, quando entrou na Shopee, que tinha chegado ao país pouco mais de um ano antes. “Lucas soube aproveitar ao máximo as ferramentas e os recursos disponíveis para transformar seu empreendimento local em um negócio de alcance nacional”, diz o responsável por Desenvolvimento de Negócios da marca, Felipe Lima, citando estratégias de engajamento como cupons e anúncios pagos na plataforma. “Por fim, a otimização da operação para agilizar os envios dos pedidos contribui para a satisfação do consumidor. Combinando essas estratégias e funcionalidades, ele atraiu novos consumidores e fidelizou os já existentes”, acrescenta Lima.
Em todo o Brasil, a Shopee conta com três milhões de vendedores registrados. A Bahia é o estado do Nordeste com maior número de vendedores, além de ser o sétimo do Brasil. As cidades em destaque são Salvador, Feira de Santana e Lauro de Freitas. Por aqui, são 11 hubs logísticos para agilizar o processo de entrega, além de um centro de distribuição na Região Metropolitana de Salvador e as Agências Shopee — estabelecimentos comerciais que funcionam como pontos de coleta para vendedores.
Igrejas
Assim que entrou no curso de Humanidades, Lucas conheceu um movimento estudantil cristão que estava dentro da Ufba e atuava em mais de uma centena de países – o Âlfa e Ômega. O grupo promove congressos regionais, nacionais e internacionais. Naquele ano, tinham lançado um específico para estudantes da América Latina e do Caribe, previsto para acontecer no Panamá.
“Na época, eu não tinha condição de pagar essa viagem. Tem um método tradicional de ofertas missionárias, chamado cartas de sustento. Você pode mandar para outras pessoas pedindo ofertas, mas eu era muito tímido. Decidi fazer algo relacionado a livros, porque leio desde os 13 anos, principalmente livros cristãos e a Bíblia. Quis juntar o útil ao agradável”, conta.
No início, era apenas pela viagem. Os planos de Lucas eram de concluir a faculdade e seguir na sua área – posteriormente, quando concluiu o BI, ingressou no curso de Administração, na Ufba. Com os livros, vendia canecas personalizadas. Mas os títulos eram o maior destaque.
Lucas conhecia a livraria Cpad, que vendia livros da editora vinculada à Assembleia de Deus. Era, na verdade, a única distribuidora que ele conhecia até então. Duas vezes por ano, a livraria fazia uma grande promoção com descontos significativos para quem compra no atacado. Ele aproveitou a ocasião para comprar livros no cartão de crédito e revender.
“Saí de lá com uns quatro sacos de livros e comecei a revender. Consegui os recursos para viajar em 2015 e conheci vários estudantes de diversos países. No congresso, lançaram outros projetos missionários e eu senti muito desejo de participar de um projeto no Chile que durava 90 dias”, lembra.
Os livros, assim, se tornaram um projeto contínuo. Precisava arrecadar R$ 10 mil para ir ao Chile em 2016 e cerca de metade veio deles. Mas, até ali, era praticamente uma venda direta, que se dava principalmente pelo Whatsapp. No máximo, algumas pessoas deixavam colocar um stand dos livros em igrejas ou compartilhavam entre amigos.
Os anos passavam e os livros cristãos continuavam ali. Quando Lucas decidiu casar, o lucro vindo deles ajudou em alguns custos da cerimônia – nunca como renda principal. Àquela altura, já estagiava em órgãos como o Ministério Público do Trabalho e na Justiça Federal, assim como sua esposa, que fazia Direito na Ufba. Pela condição econômica, ambos também recebiam auxílio social da universidade.
Até que, em 2020, a pandemia da covid-19 fez com que as livrarias fechassem e mais pessoas começassem a procurá-los diretamente. Uma vez por semana, Lucas ia até uma estação do metrô e marcava para fazer todas as entregas. Naquele ano, eles completavam a renda com o auxílio emergencial do governo federal.
Em 2021, contudo, os livros já não rendiam tanto assim. Não supriam todas as necessidades da casa, ao mesmo tempo em que os estágios do casal tinham chegado ao fim. “Comecei a rodar Uber, porque a gente ganhou um carro – um Kwid – em um sorteio no Instagram de Wesley Safadão. Até que entrei em uma editora como estoquista temporário. Deixei o Uber, porque era meio arriscado”.
Mas também foi no início daquele ano que Lucas conheceu a Shopee, por indicação da esposa e de um amigo. A plataforma tinha chegado ao Brasil em 2019, mas se tornou muito popular no início da pandemia. Na época, a taxa para vender era zero, além do frete grátis para todo mundo.
“Comecei a cadastrar todos os livros e Bíblias que tinha em casa, de maneira bem amadora. Eram fotos péssimas, de celular, que hoje as plataformas nem aceitam mais, porque precisa ter fundo branco. No dia seguinte, fui surpreendido, porque já começou a sair produtos. Acabava de botar e já tava vendendo”.
Naquele começo, eram três a quatro pacotes por dia. No intervalo do trabalho como estoquista, ele postava numa agência dos Correios e cadastrava os produtos do acervo – algo em torno de 300, naquele momento. Lucas não tinha nem impressora para imprimir as etiquetas e conseguia fazer na editora.
“Depois da editora, eu já tinha conseguido um novo estágio, mas já estava me empolgando com a Shopee. Chegou o momento em que eu não conseguia mais juntar o estágio e a gente começou a trabalhar somente na plataforma”, conta.
Continuaram adicionando novos produtos, buscando fornecedores e expandindo. Quando vendiam 20 a 30 pedidos por dia, ficavam impressionados. Foram melhorando os anúncios, tornando as fotos mais profissionais e, ao fim de 2021, já tinham dois mil produtos cadastrados na plataforma. No ano seguinte, a cunhada de Lucas passou a trabalhar com o casal, numa tentativa de atender à demanda.