Na Bahia, que é terra de todos os santos, há espaço para o sagrado e o profano em todo tipo de fé professada. A prova disso são as grandes celebrações – como a Lavagem do Bonfim e o Dia de Iemanjá – que arrastam multidões de fiéis para pontos emblemáticos da cidade. Nesta sexta-feira (16), o cenário não foi diferente durante as celebrações para São Roque e Omolu – santo católico e orixá do candomblé que tem sincronia com Obaluaê. Do Pelourinho à Igreja de São Lázaro, na Federação, uma multidão vestida de branco saiu de casa para agradecer e também se divertir.
As homenagens católicas para São Roque começaram às 5h30, com a celebração da primeira das cinco missas dedicadas a ele. Entre o povo de santo, o primeiro ato em honra a Omolu ocorreu por volta das 15h, na Rua Alaíde do Feijão, no Pelourinho. Antes, centenas de pessoas acompanharam o padê para Exu – manifestação religiosa que consiste no pedido de licença ao orixá que faz a abertura e proteção dos caminhos, além de ter o dom da comunicação.
“Exu é um livrador. Ele que é responsável por levar nossos pedidos até o orixá. Se eu levo a oferenda e faço um pedido, quem primeiro ouve é ele. Se o orixá atende, Exu também vem trazer a resposta”, apontou o ativista Romero Lima, de 45 anos.
Nesse caso, o pedido de licença foi para a proteção dos candomblecistas e umbandistas que seguiriam do Pelourinho até a Federação para reverenciar Omolu na Caminhada Azoany, que acontece há 26 anos. Na concentração, que contou com banho de pipoca, além de oferenda para Nanã e Oxalá – considerados a mãe e o pai de os orixás – houve também pedidos de cura pelos fiéis e rituais de bênção feitos pelo pai de santo.
Adepta de Omolu, a cuidadora de idosos Raimunda de Jesus, 57 anos, marcou presença no início caminhada como forma de agradecimento ao orixá pela cura dada ao marido dela. “No ano passado, meu esposo fez uma caminhada que saiu do Alto das Pombas até São Lázaro. Quando ele voltou, estava com as pernas inchadas e com água. Ele teve febre e erisipela borbulhante, ficou dois meses internado no hospital. Graças a Omolu, a quem eu pedi para que curasse as pernas dele, ele hoje está curado. Então, vim aqui para agradecer, porque tenho muita fé nele”, contou.
Na Rua Aristides Novis, o caminho de pipoca para afastar toda energia negativa conduziu os fiéis até a Igreja de São Lázaro, que tem São Roque como segundo padroeiro. Na escadaria até o espaço religioso, babalorixás estavam com os tabuleiros a postos para oferecer o banho de flores (pipocas) para quem estivesse passando. Quem aceitou de prontidão foi Suliver Emídio, 40 anos, devoto do santo.
“Eu tenho muita fé em São Roque porque eu já passei muita fome e ele me ajudou. Há 25 anos eu venho aqui para agradecer. Se eu não vier, eu não começo o ano, então é como se meu ano tivesse começado agora. Tenho gratidão porque ele ajudou minha neta de cinco meses que quase morre ao nascer, porque ele me tirou da rua e me livrou das drogas. Ele me livrou de muita coisa”, disse, sem conter as lágrimas.
Quem também estava ali movida pela gratidão foi a antiga baiana de acarajé Eulina Souza, 53 anos. Ela, que se aposentou por conta de um acidente que sofreu enquanto trabalhava e teve danos na perna, subiu de muletas a escadaria e chegou tão perto quanto pôde da igreja para ouvir a Missa Solene, às 15h. Tudo isso para agradecer a Omolu. “Hoje eu tenho ele para me proteger e só tenho a agradecer, porque todas as bênçãos ele já me deu”, declarou.
Já nas margens do caminho percorrido pelos fiéis, quem já tinha feito a reverência religiosa se encaminhou para os bares e rodas de samba regadas a álcool e dança. Totalmente envolvida no festejo, a funcionária escolar Claudia de França, 58 anos, exaltou a união do sagrado e do profano. “Assim que eu cheguei, tomei meu banho de pipoca, fiz minhas orações, já agradeci e agora vim curtir um pouquinho. Tinha 40 anos que eu não vinha na Bahia, e estou gostando demais porque aqui tem religiosidade, paz de espírito e alegria”, enfatizou.
O açougueiro Paulo Robson, 49 anos, que tinha o colar de contas no pescoço e o copo de cerveja na mão, afirmou ser devoto de São Roque e Omolu, bem como frequentador do terreiro e da igreja. Avesso ao preto no branco, ele não escondeu a satisfação de não poder ser definido para além da sua baianidade. “Já fui à igreja e agora vou rever os amigos e os irmãos de santo. É a hora de passear e bater um papo legal, porque esse é um momento de celebração, amor e confraternização. Vale a pena fazer um pouco de tudo”, finalizou.
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