27 Nov 2013
Pirataria é crime: reafirma o STJ
O Superior Tribunal de Justiça, no mês de outubro deste ano de 2013, editou o enunciado n. 502 de sua súmula, anotando que “pirataria” é crime, a afastar a aplicação do princípio da adequação social, consoante entendimento desta Corte Superior. Nesse sentido, eis o teor da referida súmula: “Súmula 502: presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas”.
Foi representativo da controvérsia acerca do tema objeto do enunciado o julgamento Recurso Especial n. 1.193.196 – MG, no qual o STJ já decidira que a pirataria, consistente na venda de CD’s e DVD’s “piratas”, ou copiados dos originais, consubstancia o delito tipificado no art. 184, §2º, do Código Penal, em acórdão assim ementado:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PENAL. OFENSA AO ART. 184, 2º, DO CP. OCORRÊNCIA. VENDA DE CD"S E DVD"S "PIRATAS". ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇAO SOCIAL. INAPLICABILIDADE.
1. A jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de considerar típica, formal e materialmente, a conduta prevista no artigo 184, 2º, do Código Penal, afastando, assim, a aplicação do princípio da adequação social, de quem expõe à venda CD"S E DVD"S piratas.
2. Na hipótese, estando comprovadas a materialidade e a autoria, afigura-se inviável afastar a consequência penal daí resultante com suporte no referido princípio.
3. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
Ao editar o enunciado da Súmula, como se observa, sobretudo, na leitura do recurso especial que subjaz tal ato, o STJ busca impor ao Judiciário a observância de que vender CD’s e DVD’s “piratas” é crime, não sendo possível falar em adequação social da conduta. De fato, fala-se no direito penal na existência do princípio da adequação social, segundo o qual condutas que aparentemente são ilegais de acordo com o texto de lei, em razão de serem aceitas pela sociedade, não devem ser consideradas, efetivamente, crime. Nesse diapasão, diversos juízes vinham aplicando tal princípio para absolver pessoas denunciadas pelo suposto cometimento dos delitos previstos no art. 184 e seguintes, todos do Código Penal, ao comercializar ou produzir produtos “piratas”. Eis o dispositivo legal:
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Para o STJ, deveras, embora a prática do que se convencionou de “pirataria” seja difundida, verdadeiramente alastrada no território pátrio, para além de não gozar de grande reprovação pela maioria das pessoas (sendo possível encontrar produtos “piratas” em cada esquina das grandes cidades ou mesmo das pequenas), a conduta é crime, não sendo possível falar em adequação social deste comportamento, que, para a Corte Superior, é lesivo ao patrimônio daqueles que têm suas obras reproduzidas e vendidas. Consigna assim o Tribunal, como se lê do voto da Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, que “não se pode considerar socialmente tolerável uma conduta que causa sérios prejuízos à indústria fonográfica brasileira e aos comerciantes legalmente instituídos, bem como ao Fisco...”.
Premente esclarecer que a efetivação de uma única cópia, respeitados os limites legais, para uso pessoal, sem intuito de lucro, não é crime, não configura fato penalmente típico. Dispõe o parágrafo 4 do mesmo artigo que:
§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto
Nesse sentido, apenas a produção e/ou comercialização de quantidade significativa de CD’s e DVD’s “piratas” pode configura o crime, sendo possível, inclusive, a aplicação, em tese, do princípio da insignificância nas hipóteses em que um acusado seja surpreendido com quantidade ínfima de produtos “piratas”, tendo o precedente que ensejou a súmula versado unicamente sobre a impossibilidade de aplicação do princípio da adequação social.
Nesse diapasão, o STJ, ao julgar o RESP 1.193.196-MG, sinaliza ainda que não se deve confundir tolerância das autoridades públicas, com descriminalização da conduta, lembrando que a Corte há muito solidificara este entendimento, como se pode depreender interessante trecho de voto da lavra da Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura:
Com efeito, esta Corte firmou entendimento no sentido de que a conduta vender CD's e/ou DVD's falsificados, não pode ser tida como socialmente adequada, haja vista referida conduta não afastar a incidência da norma incriminadora prevista no artigo 184, 2º, do Estatuto Repressivo Penal (violação de direito autoral), além de consubstanciar em ofensa a um direito constitucionalmente assegurado (artigo 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal).
O fato de, muitas vezes, haver tolerância das autoridades públicas em relação a tal prática, não pode e não deve significar que a conduta não seja mais tida como típica, ou que haja exclusão de culpabilidade, razão pela qual, pelo menos até que advenha modificação legislativa, incide o tipo penal, mesmo porque o próprio Estado tutela o direito autoral.
São mencionados, no voto da Ministra Maria Thereza, como precedentes da matéria, segundo os quais não se faz possível aplicar o princípio da adequação social para afirmar não ser crime a conduta consistente em produzir ou comercializar produtos piratas, os julgamentos do HC 159.474/TO, do HC 113.938/SP, do HC 45.153/SC, do HC 30.480/RS, todos do Superior Tribunal de Justiça; além de julgados do Supremo Tribunal Federal, exarados no HC 98898 e HC 104467.
Ante tal quadro, ao final de seu voto no intercurso do julgamento do recurso especial alhures referido (tombado sob o n. 1.193.196-MG) a Min. Maria Thereza propôs, para os fins do art. 543-C[1] do CPC, a edição do seguinte enunciado, o que acabou por ocorrer: “presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, §2º, do CP, a conduta de expor à venda CD’s e DVD’s ‘piratas’”.
Trata-se de súmula cujo conteúdo favorece o entendimento da matéria, a fim de assentá-lo, e, ao fazê-lo, deve ser louvada não só por este fator, mas também por aclarar a diferença entre leniência e adequação social, firmando que condutas lesivas aos patrimônios das pessoas, notadamente, nesse ponto, quanto a seus direitos autorais, devem ser combatidas e não podem ser consideradas aceitáveis, apenas porque difundidas.
[1] Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
Por Gamil Foppel El Hireche(1) e Rudá Santos Figueiredo(2)
[1]Advogado. Doutor em Direito Penal Econômico (UFPE). Membro da Comissão de Juristas, nomeado pelo Senado Federal, para atualização do Código Penal. Membro da Comissão de Juristas, nomeado pelo Senado Federal, para atualização da Lei de Execuções Penais. Agraciado com a Medalha do Mérito Legislativo, outorgada pela Câmara dos Deputados, em 2011. Professor Adjunto da FDUFBA. Professor da Faculdade Baiana de Direito, da Escola da Magistratura da Bahia, Pernambuco e Espírito Santo. Professor da Escola Superior da Advocacia em São Paulo e Pernambuco.
[2] Advogado Criminalista Militante. Mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pelo Juspodivm-IELF. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Coordenador-adjunto da Pós-gradução em Ciências Criminais do Juspodivm-IELF, da Faculdade Baiana de Direito e do Curso Ciclo-SE. Professor de Direito Penal da Faculdade Baiana de Direito.
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